Trim, trim trim…
O despertador indica a hora que Rosivaldo tem que se levantar. Assustado, ele se veste rapidamente, pois está eufórico para conhecer seu novo trabalho. Na mesa café, pão, bolo, sucos e uma rosa. Estranhou a tal fartura, pois era bem diferente do que de costume. Chama pela irmã:
– Rosângela? Rosângela?
Sem resposta, calça seu tênis, escova os dentes e sai. Manhã de inverno, dia cinzento, chuva fina, poderia ser seis horas da noite, pois naquele momento não fazia diferença entre dia e noite. Rosivaldo chega do novo trabalho em um shopping da cidade e logo se apresenta. Extrovertido, recebe o cumprimento de todos. Feliz, pega seu crachá e logo recebe a primeira ordem. Ricarda, a bela mulher que o recebera, o leva ao seu posto:
– O senhor tomará conta desse estacionamento. Os carros deverão ser manobrados e conduzidos às suas respectivas vagas.
Mas a função que lhe prometeram não era de manobrista e sim de vigia do estacionamento. Apesar de saber dirigir, ser manobrista é bem diferente. Rosivaldo pensou em questionar a função mas, por medo de perder a vaga, aceitou na boa. As horas vão passando e começam a chegar os funcionários. Rosivaldo, assustado com tamanha demanda de carros, começa a suar frio.
– É você o novo manobrista?
– Sim, senhor!
– Coloca na vaga três, por favor.
O nervosismo toma conta do pobre funcionário, que pela primeira vez tem uma função que nunca exercera na vida. Ele entra no carro e quando aparece uma senhora de vestido branco, aparentando 60/70 anos, levanta os braços como direcionando cada movimento para que o marinheiro de primeira viagem ficasse à vontade. E assim foi feito. No primeiro, segundo, terceiro carro, e a cada carro era colocado uma rosa em seu para-brisa. A cada carro estacionado a manobrista voluntária fazia questão de cumprimentá-lo sempre com gestos. Quando chega a hora do almoço, Rosivaldo recebe a presença de Antônio, o quebra galho do shopping, que pergunta:
– Como foi o seu primeiro dia?
– Tranquilo. Pensei que seria pior, mas aquela senhora que fica sentada na escada me ajudou bastante.
Antônio estranhou a ajuda da dita cuja e perguntou:
– Que senhora?
– Aquela ali.
– Qual?
– Você não está vendo ?
– Eu, hein, claro que não. Aqui só entram pessoas com credenciais.
Rosivaldo chamou Antônio e o levou até a escada. Não havia ninguém. Antônio deu de ombros e sussurrou:
– Mais um doido nesse shopping.
Rosivaldo questionou:
– Mais um? Como assim?
– É o terceiro em três meses. Os dois primeiros viram só vultos, barulho de carros, buzinas, só isso.
– Isso não tem nada de mais, afinal isso é um estacionamento. Tem que haver barulho de carros e buzinas. É claro, né?
Antônio olha para Rosivaldo e diz:
– De madrugada com o shopping fechado?
Rosivaldo coçou a cabeça e foi almoçar. Às 14h retorna e pergunta a Antônio, o quebra galho:
– Tudo bem?
– Sim, tranquilo.
Rosivaldo assume novamente o seu posto. Na normalidade da tarde começam as chamadas do telefone da garagem pra que Rosivaldo leve os carros para a saída do shopping. E lá está a senhora, de vestido branco e turbante, com seus longos braços. Apesar da idade avançada, seus movimentos são fortes e uniformes, o que faz Rosivaldo atender com clareza seus movimentos. E assim foi feito. A cada carro manobrado o agradecimento, que eram retribuídos em uma só palavra, apenas com gestos. Ao terminar seu turno, o novato funcionário não se conteve. Foi atrás da ajudante voluntária, que ficava sentada na escada, mas ela não estava. Rosivaldo subiu os dois lances de escada que davam acesso ao primeiro andar do shopping e lá na portaria indagou a dois seguranças que se faziam presentes:
– Vocês viram uma senhora de uns sessenta a setenta anos, vestido branco, de turbante, passar por essa porta?
Com a negativa dos mesmos, Rosivaldo percebeu que seria quase impossível notar a presença de uma só pessoa, apesar de estar toda de branco e de turbante. Convencido de que foi ajudado pela voluntária, Rosivaldo dirigiu-se para casa. O cenário era o mesmo. Dia cinzento, chuva fina:
Trim, trim trim…
– Rosivaldo? Rosivaldo? Rosivaldo? Acorda. Acorda – Rosângela entra esbaforida no quarto – Chegou! Chegou!
Rosivaldo meio atordoado acorda e fala:
– Que foi? Chegou o quê?
– O telegrama da inscrição que você fez para o shopping que vai inaugurar mês que vem. A entrevista está marcada para as três da tarde e já são onze horas da manhã. Você dormiu demais. Vai tomar café para não chegar atrasado.
Rosivaldo vai até a mesa. Apenas um pão do dia anterior e um bule de café morno, e assim segue até a entrevista assustado pelos últimos
acontecimentos. Rosivaldo chega à entrevista de emprego, a recepcionista o recebe e pergunta:
– Qual o seu nome?
– Rosivaldo.
– Como?
– Rosivaldo – Repete em tom de constrangimento.
– Pode entrar, senhor!
Logo que entra, é abordado por uma bela mulher:
– Meu nome é Ricarda.
– Como?
– É Ricarda.
Rosivaldo tentando lembrar do nome que não lhe era estranho.
– O senhor veio para a vaga de manobrista?
– Não, não. Para segurança do estacionamento.
– No seu currículo diz manobrista.
– Não pode ser.
– Tem uma carta de referência aqui. Diz que fez estágio em um estacionamento que havia aqui. Inclusive esse estacionamento foi derrubado e foi construído esse shopping.
Rosivaldo encabulado pergunta:
– Por que acabaram com o estacionamento?
Ricarda responde:
– Lembro que houve uma explosão no estacionamento e culparam a manobrista, que era uma senhora que só usava branco, usava um turbante e tinha a mania de dar uma rosa para os frequentadores do estacionamento. Também era surda e muda, só se comunicava com gestos. Dizem que morreu queimada, mas o corpo da manobrista nunca foi encontrado. Algumas pessoas falam que ela irá assombrar esse shopping. Eu não acredito em assombrações. Você é o terceiro que vem para a vaga de manobrista. Nenhum dos outros dois tinham a carta de recomendação. E aí? Vai querer a vaga?
– Cruz credo, Deus me livre.
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