Professor Gloribaldo finalmente conseguiu separar um dinheiro para convidar a professora Ermelinda para sair. Na verdade, deixou de pagar a conta de luz para acertar no mês seguinte. Não fosse assim, não teria como convidá-la. Lembrou com certa tristeza das advertências da mãe na infância, quando morava em Bento Ribeiro:
– Gloribaldo, filhinho. Larga esses livros um pouco. Vai brincar. Olha, o Ronaldinho está chamando pra vocês jogarem bola.
– Não, mamãe! O Ronaldo Nazário nunca vai ser ninguém na vida. Ele não estuda, só pensa em jogar futebol. A senhora vai ver, vou me formar em Física, vou morar na Europa e conhecer o mundo inteiro…
Ronaldo viajou o mundo, tornou-se uma figura lendária e é dono de dois times de futebol. Com toda certeza, ele até hoje não sabe resolver uma simples equação do segundo grau. Balançou a cabeça para espantar aquelas lembranças de um passado distante.
Professor Gloribaldo juntou todas as moedas que conseguiu encontrar em casa e fez as contas: iria comprar duas garrafas do quase vinho Catinga da Terra, um saquinho de biscoitos Foifura e ainda sobrava dinheiro para assistirem uma sessão de cinema. Aproveitou o intervalo do recreio para usar o wi-fi da escola e pesquisar os filmes que estavam passando. Infelizmente, o dinheiro só dava para o Cine São João, na Feirinha da Pavuna, que por acaso estava passando “Game of Dildones” e Gloribaldo pensou tratar-se de um spin-off da famosa série. Sabia que Ermelinda também era fã da série com a Mãe dos Dragões. O final ficou esquisito, mas apostava que aquele spin-off era complementar à narrativa: pra onde diabos o dragão levou Daenerys e para onde Arya foi.
Saiu de casa em Cabuçu no domingo oito da manhã, pedalou sua bicicleta por oitenta quilômetros e chegou na rua da moça depois do almoço. Ermelinda era daquele seleto grupo de professores abastados que moram em Irajá. Apeou da bicicleta para subir a ladeira em cujo topo residia Ermelinda e não conseguiu evitar o pensamento:
– Minha vida é uma merda.
Chamou no portão e Ermelinda chegou, toda perfumada. Sentou na garupa da bicicleta e desceram. Gloribaldo era só felicidade. Uma pena que o cabo do freio partiu na descida da ladeira. Ermelinda só gritava:
-Freia, freia, freia! Freia, filho da puta!
Foi direto num poste para evitar entrar na rua movimentada do BRT. Ermelinda não se machucou porque o corpo de Gloribaldo amorteceu a pancada. Mas o professor perdeu dois dentes da frente. A roda dianteira da bicicleta ficou parecendo um ovo. Sentaram na calçada e decidiram tomar um gole do quase vinho para espantar o susto. A garrafa foi-se em instantes. Resolveram prosseguir para o cinema, apesar dos sacolejos da bicicleta causados pelo formato da roda. Jogou a garrafa vazia em uma lixeira, percebeu que um rato lambeu as últimas
gotas do quase vinho na garrafa e morreu imediatamente. Anotou aquela informação mentalmente, porque o Catinga da Terra era mais barato que chumbinho. Talvez fosse a solução para a infestação em sua casa.
Vinte quilômetros depois, chegaram na Feirinha da Pavuna. Gloribaldo prendeu a bicicleta no poste em frente ao Cine São João e um flanelinha disse que iria tomar conta da sua “bike”. Entraram para assistir “Game of Dildones”. Lá dentro, abriram a segunda garrafa do quase vinho Catinga da Terra e comeram o biscoito Foifura.
Quando acordou, professor Gloribaldo estava sozinho no cinema. Saiu e percebeu que a noite ia alta. A bicicleta também não estava mais lá. Só no dia seguinte descobriu que Ermelinda foi embora com um rapaz que sentara ao lado deles no cinema, que por acaso era o flanelinha. Foram de bicicleta.
Voltou andando de Pavuna para Cabuçu e o pensamento não saía da cabeça:
– Minha vida é uma merda.
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