Ela percebeu que, durante toda a semana vinha sendo perseguida. Conseguia ouvir nitidamente os passos e por vezes chegava a sentir o hálito do desconhecido que, de tão próximo, era quase a extensão de sua própria sombra. O suor corria-lhe frio e desconfiado pelo dorso, até que, ao entrar em casa, a sensação passava como num passe mágico e automático e a respiração, antes descompassada, entrava novamente no ritmo da dança e da dúvida.
Sua casa era seu porto seguro, seu castelo intransponível. Era o único lugar que lhe oferecia paz, segurança e conforto, bastando o tom de voz. Lembrava do passado e da companhia do velho pai, que era marceneiro. Tinha muita dificuldade de imaginar uma casa feita completamente de madeira barata, à mercê de qualquer intempérie. As gerações mais antigas viveram por muito tempo privadas do que havia de mais fundamental e prático, mas nunca de experiências enriquecedoras e inusitadas.
Ela já podia sorrir em um simulacro de paz, enquanto seus botões proporcionavam tudo o que necessitava. A música, o banho quente, o chão devidamente aspirado a organização automática das tarefas dos próximos dias. Não podiam, no entanto apagar-lhe da memória os sinistros passos que, insistentes, seguiram os seus.
Em quinze minutos, tempo suficientemente necessário para o banho, tudo estava pronto e ela já podia abandonar-se ao canto da TV, acompanhando as notícias também pelo celular em tempo real. Quase perdeu totalmente o ar ao observar a principal delas: Na região em que morava vagava um homem. Sem destino, sem função e com a lua nova nos olhos. Meu Deus, então era isso! Seu medo já encontrava explicação. Hora de desconectar seus botões e dormir. Pela janela, o vulto de quem perdeu para si mesmo, sem destino, sem função, diante da inutilidade e da lua nova que carregava nos olhos.
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