Todas as aeronaves possuem uma caixa preta para gravar, durante os voos, todas as conversas entre pilotos e copilotos. Assim, fica mais fácil em casos de acidentes determinar suas possíveis causas. Minha opinião é que os seres humanos também possuem “caixas pretas” para armazenar os bons e maus momentos ou sentimentos vividos. Os bons momentos são externados na hora em que acontecem e são facilmente esquecidos porque são muitos. Ao contrário, os maus sentimentos, traumas, experiências negativas ou ações, mesmo sendo únicas, além de não serem externadas, alteram suas vidas, em todos os sentidos. Os seus “egos” são afetados e, nos casos mais graves, necessitarão do apoio terapêutico, de grupo ou da psicanálise. Pedir desculpas ou perdão imediatamente após à uma agressão, em suas variadas formas, é a melhor forma de reconhecer nossos erros e nos livrarmos de arquivar acontecimentos em nossas “caixas pretas”. Ainda, por morte repentina, não desabafarmos em vida angústias e ressentimentos. Neste conto e após essas reflexões, pedirei perdão ao meu pai, já falecido, e a um dos meus filhos, hoje com 57 anos.
Eu e meu irmão, dois anos mais velho, fomos os únicos a cursar uma faculdade, de 1955 a 1958. Escolhemos Odontologia, ou melhor, quem escolheu foi meu irmão, porque o que eu queria era ser advogado. Quem arcou com todas as despesas, inclusive solenidades de formatura e até anéis de grau, foi meu pai. Logo após nos graduarmos, viajamos os três para Petrópolis para comprarmos nosso primeiro consultório, novo, pouco usado e barato porque, pasmem, o colega dentista enforcou-se dentro do consultório e a viúva estava doida para se desfazer dos pertences profissionais do falecido. Meu pai achava que, depois de formados, não precisaríamos mais de “mesadas ou ajudas financeiras”. O que ele não sabia era das dificuldades que todo profissional autônomo encontra ao iniciar qualquer atividade que dependa de “clientes”, principalmente naquela época em que ainda não existiam “convênios”. Ficava sempre reclamando quando pedíamos ajuda. Esbravejava que “seria melhor ter comprado uma loja e sermos engraxates do que dentistas”. Isso gerou raiva e feriu nossos egos. Com meu ingresso no Exército e o meu irmão na Prefeitura resolvemos, por minha iniciativa, somarmos todas as despesas que tivemos na faculdade e “com esta atitude claramente vingativa”, devolvermos a ele, em parcelas mensais, tudo o que tinha pago desde nosso ingresso na faculdade. Para nossa surpresa, quando comunicado da nossa decisão, aceitou, ficou feliz e agradeceu nossa atitude. Sem saber que nossa intenção era vingativa, recebemos, em troca de nossa rebeldia, “tapas com luvas de pelica”. Por não ter pedido perdão a ele em vida por minha atitude imatura, o faço agora, post-mortem e publicamente: PERDÃO MEU PAI. Assim fazendo, alivio minha “caixa preta”.
Pessoalmente pedirei perdão ao meu filho Álvaro, na primeira oportunidade que nos encontrarmos mas, faço questão de deixá-lo registrado neste conto. Ele tinha no máximo quatro anos quando, após uma “pirraça”, recebeu de mim uma bofetada e minha mão ficou marcada no seu rosto. Embora minha intenção fosse lhe dar uma palmada, ele virou bruscamente de posição e não pude evitar o fato. PERDÃO MEU FILHO. Esse fato está arquivado na minha “caixa preta”, mas será brevemente deletada.
Conto muito bonito, Nilton!