Ele andava vagarosamente pelo quintal, sob a noite recém-nascida, caída como jabuticaba do pé. Brincava com os ruídos, escondia-se do vento forte e do filhote de saci que, ao menos uma vez por semana, soltava da velha garrafa para fazer-lhe companhia.
Aproveitando ausência de tarefas escolares, podia deter-se bem ali, entre o muro e a bicicleta já caquética que aguardava ansiosa por substituição. Eu relaxava, afinal aquele era pra ele um dos poucos momentos em que as cobranças, notas e prazos não dividiam a atenção com tudo o que realmente importava.
“Venha jantar”. Não houve resposta. Depois de passados quinze minutos, um piado longínquo de ave desconhecida foi só o que cortou por um instante o silêncio que já começava a incomodar.
Quando retornou, passado já um bocado de tempo e mais um pouco, ele estava parado ali no batente, olhando com espanto céu que o olhava de volta. Disse então que não se tratava de céu, mas de um mar profundo, escuro e misterioso e que ele, quando se deparou com a primeira tormenta e estava tal qual Robinson Crusoé prestes a naufragar, foi resgatado pelo pequeno e debochado rodamoinho cujo companheiro da garrafa conduzia. E assim foi conduzido ele também, girando e transpirando, até despertar como que de um pesadelo, bem diante da porta da cozinha.
Desta vez, ele mesmo foi quem pediu que procurasse o atendimento do senhor, já que sequer fez travessura o suficiente para conviver desde então com o constante balanço de mar sob os pés, o céu a olhar-lhe como a cobrar uma dívida e com a risadinha debochada por trás do rótulo da garrafa de vinho barato a vingar-se das peças pregadas.
“Dona Coló, agora entendo por que esse menino é incapaz de ser verdadeiro. A poesia é de família.”
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