cadeira de mogno com encosto acolchoado

Boa noite, agora eu vou fazer minha áudio descrição:

Me chamo cadeira, tenho quatro pernas, encosto alto e acolchoado. Eu sou mogno. Fui projetada por um artista francês no século 19, para compor esta sala de jantar tipicamente portuguesa, junto às cristaleiras cheias de taças e peças de marfim, que estão nesta família há cinco gerações, desde a fazenda de Vassouras até a propriedade atual. Ao meu redor há duas crianças loiras, olhos cor de mel, silenciosas, mexendo no celular enquanto comem; ao fim da mesa, a mãe deles, igualmente entediada, mas disfarça, às vezes sorri, porém falar, ninguém se fala. Em cima de mim está a bunda de um homem de cinquenta anos de idade. Este homem que está com a bunda sobre mim come mais do que deveria, está  diabético e toma remédio para síndrome do pânico. A empresa da família vai de mal a pior e agora seus funcionários o expõem nos sites especializados de emprego e negócios. Aos poucos, a família vai ficando desmoralizada, e ele pensa no bisavô fazendeiro de café, no avô político, no pai funcionário público federal e agora ele: um empresário à beira da falência. É isso que o deixa angustiado, gastando com psiquiatra, remédios e algumas ilegalidades. E como não consegue tolerar pausas ou silêncios, como não consegue tolerar seu próprio fracasso, ele grita “Vilminha, Ô Vilminha”, e entra Vilma, da cozinha, mulher negra e idosa, que as crianças admitem não gostar, só dizem que gostam pra receber massagem nas costas. Os pais também não gostam, mas fingem que amam, dizem que ela é da família, só para que Vilma não os exponha, por não terem pago a ela um salário digno pelo trabalho que ela prestou nesta casa desde criança, como passadeira,  lavadeira e cozinheira, e por terem proibido ela de sair de casa fora do expediente por anos, assim como sua mãe, sua avó e sua bisavó, que foi escrava na fazendo de Vassouras. Sua filha não. Sua filha virou secretária, mora num conjugado. E a neta está no ensino médio fazendo curso técnico de mecânica. O homem sentado em cima de mim pede a Vilma que coma à mesa. Ela diz que prefere comer na cozinha e sai. É a mesma cena de todas as noites, e o homem que está sentado em cima de mim diz, “essa Vilminha não é mole não”. Depois respira fundo e ajeita suas costas em meu encosto alto e acolchoado. Sussurra solitário, um devaneio baixinho pra ninguém escutar, “É vovô, bons tempos  aqueles que não voltam mais…” Essa frase me deixa bamba. Eles me colocam um livro de calço.