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Marcus e eu ouvimos, desde meninotes, o seu chamado. Já que o lar não nos chamava (às vezes acreditava que nem nos queria), o chamado da rua era mais que convidativo.
O único outro chamado que tentava se interpor ao da rua era o da escola. Aquela que tinha que ir por conta do Conselho Tutelar, do Bolsa Família, da surra que ganharíamos do pai se ele fosse solicitado a comparecer. Para ele, o chamado da rua e do boteco também soavam mais alto que tudo!
Marcus era mais velho que eu apenas 11 meses. Não só a proximidade da idade nos unia. Vimos que ninguém mais sentia nossa ausência, então, quando “dava ruim” um olhava pro lado e o outro estava lá…
A rua era nossa manjedoura e o mundo o nosso destino. Quando a aula virava uma sucessão de coisas sem sentido, o cântico da rua chegava aos ouvidos. Era só o Marcus me olhar que eu já entendia o recado. Esperávamos o recreio passar, afinal sair de bucho vazio era burrice! E quando o sinal tocava novamente, com o alvoroço de formar as turmas, nos tornávamos invisíveis e pulávamos o portão de trás.
É quando a rua nos ganhava, com uniforme escolar como escudo, para formar mais pivetes do asfalto, furtos discretos, Riocard pro shopping. Desde que levássemos, ou algum pra casa, ou leite e biscoitos pros mais novos tava, tudo certo.
Além da rua, tinha o chamado da “cola”. Eu não atendi a esse não…Dava “barato” pra mim não! Ficava enjoado logo, com dor de cabeça… mas o Marcus foi com tudo! Começou a gastar o que conseguia e eu tendo que mandar bem na mão leve pra não deixar de levar a “cota” pra casa.
Ele começou a passar a noite toda fora, voltava um trapo e nem a bengala do velho quebrando nas costas o fazia reagir. O convite da rua era um chamado eterno e a droga a mais nova musa. Minha conexão com Marcus mudou, não era mais natural. Na rua, se juntou a alguns adolescentes da Boca do Lixo, perto do centro de Sampa. A escola desistiu dele, o Conselho também e a família seguiu o seu percurso…
Desabafei sua ausência com uma professora lá da escola que me enxergara e bloqueara de mim o suave murmúrio da rua… Não que eu tenha me tornado um aluno exemplar, um primor de comportamento, mas comecei a fazer as tarefas, portões não eram mais pulados e consegui entrar pro time de futebol.
Anos já se passaram e eu ainda atendo o chamado da rua ao sair do trabalho, mas é só pra ver se, em alguma delas, eu consigo esbarrar com o Marcus…
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