Minha amiga Madalena viveu muitos anos na mesma casa. Aqui era uma vizinhança tranquila, arborizada, até que ficou impraticável de morar. Barra pesada mesmo. Ela resolveu procurar uma nova casa e mudar para outra cidade. O corretor andou com ela pelo novo bairro, mostrou a padaria, o mercado, a calma, a tranquilidade e tudo de bom que ela teria acesso se morasse ali. Resolveu se mudar. Era uma vizinhança bacana mesmo. Os vizinhos se cumprimentam, pode ficar até tarde na calçada. Só que ela começou a notar um movimento estranho. Passou a mão no telefone e me ligou:
– Carminha do céu! Descobri que tem um ponto de prostituição bem na rua que tô morando. Tem um monte de mulheres de roupa curta, tarde da noite, em plena terça-feira. Elas ficam no celular até que os homens chegam de carro e levam elas Deus sabe pra onde. Tem inclusive um cara lá que deve ser o cafetão. Tem o cabelo pintado de loiro, é barrigudo e usa cavanhaque. Deve ser cigano.
– Ih, Madalena, cuidado que cigano tem costume de roubar e enganar as pessoas.
Madalena, que mora sozinha, quando era minha vizinha já tinha histórico de ser a informante do padre, do síndico, do fiscal da prefeitura… Ficava de butuca ligada, pronta pra entregar quem quer que fosse:
– Carminha, menina, descobri que aquela casa na minha rua não é ponto de prostituição não.
– Graças a Deus! – exclamei.
– É ponto de venda de droga. Passei por eles na calçada. Um povo mal vestido, com roupa rasgada, que não combina. Fedendo a vinho, ficam falando “me dá um conto” pra lá, “me dá um conto” pra cá.
– É bandido e drogado que fica chamando dinheiro de conto. Jesus Maria José! – alertei a ela.
– E eles falam em código. Falavam em Sargento de Milícias, que iam emprestar a Erva do Diabo… Tem até uma tal de Cristine que é drogada e prostituída.
– Misericórdia, Madalena! Tem que chamar a polícia.
Só que Madalena não se faz de rogada não. Esperou eles começarem a se encontrar, no começo de uma noite de terça, e se infiltrou no meio do bando, que se encontrava de novo na Casa de Cultura de Nova Iguaçu. Lá ela reconheceu o tal cigano, que chamam de Colinha, mas ela ficou de olho mesmo num tal de Totó. Isso é nome de mafioso italiano. Totó! Ainda mais depois que ele foi falar que mora em Morro Agudo. Deve ser de lá que vem a droga.
Madalena observava tudo de longe. Viu eles em volta de uma mesa, comendo, bebendo vinho e aplaudindo textos que só poderiam vir da cabeça de um pervertido. Todos aplaudiam a cada leitura. Ao saírem, puxa assunto com o tal de Colinha, que a convida para aparecer no encontro do mês que vem. O tema será “diabo”. Mesmo desconfiada, Madalena promete voltar. Com um tema desses, certeza tinha mais coisa de errado ali pra contar pra polícia. Quem sabe não vira reportagem da Record e me chamam pra testemunhar também.
Minha amiga Madalena, mais corajosa do que ajuizada, volta pro encontro e chega cedo. Lá conhece um senhor muito educado chamado Medina. Uma altona sempre de bom humor de nome Nice. Um moreno dos olhos claros que chegou atrasado, chamado Joni Bigoo. Assiste todo o evento e me liga assim que chega em casa:
– Carminha, eles são uns amores. Bebi vinho com eles, comi até um pãozinho com presunto que o seu Nilton trouxe e quero voltar lá de novo.
– Você não tem juízo, Maria Madalena? Até ontem tava falando que eram bandidos, drogados… Essa gente de cultura é degenerada.
– Me confundi. É coisa de leitura. Tenho que desligar. Marquei com seu Nilton de amanhã cedo ir caminhar com ele na Vila Olímpica. Tchau!
– Volta aqui! Madalena? Madalena!?
Não tem jeito. Antes da próxima terça vou ter que ir lá pra resgatar essa oferecida da Madalena.
Muito bom esse texto. 👏👏👏
Se identificou, Totó?
Carlos escreve muito bem, vou falar pra todo mundo que ele é meu camarada….