Era uma vez uma Araucária frondosa, falante e feliz. A árvore ouvia muitas histórias contadas pelos seus ancestrais, sacerdotes, sacerdotisas, micélios, raízes, caules, flores e folhas de suas amigas, a Gameleira branca e o Baobá. A melhor hora para contar e ouvir as aventuras dos mais velhos era nas noites estreladas, na lua azul. O mar ficava repleto de ondas. As folhas dançavam um balé, acariciado pelos ventos da rainha Bamila. As borboletas, os bem-te-vis, as joaninhas enfeitavam a cena. E os beija-flores beijavam minhas covinhas tentando germiná-las. Afinal, eu me chamo Jasmim. A passarinhada fazia germinar Rosáceas, Orquídeas e Camélias. Todas genuinamente femininas. O bosque sorria de intensa alegria. As frases e os parágrafos são como os fios que formam teias das histórias de maternar.
Nem todas as histórias foram felizes. No Benim, houve árvores usadas no ritual de esquecimento. Famílias inteiras foram obrigadas a dar voltas em torno do tronco do Baobá. Tinham que esquecer suas memórias, contando para a Árvore seus nomes e alegrias. O sequestrador das linhagens africanas queria ensinar o ritual de esquecimento. E ensinar estas pessoas a mentir, a esquecer, a não falar e a se conformar com o silêncio. O escravizador não sabia que os Baobás são falantes, bocudos e conspiradores do bem…
Na Carolina do Sul, guerreiros ilustres foram pendurados como frutos estranhos em Árvores Ancestrais. A seiva destes corpos se espalhou no leito do rio Mississipi e chegaram ao Brasil, onde os caules da gameleira branca foram usados como troncos de açoite. Veja na tela pincelada por Debret, o castigo do açoite no tronco. Toda tristeza foi sentida pela alma dos bosques de Imbondeiros e Iroko em cada canto das aberrações dos latifúndios. Os latifúndios odeiam Árvores sagradas, Árvores ribeirinhas, Árvores da Vida. A contação passada de linhagem em linhagem, de micélio a micélios, não é conhecida pelos sequestradores. Não faz tanto tempo, George Floyd nos fez relembrar. E o canto de Nina Simone e de Billie Holiday não nos deixa esquecer…
Certo dia, um senhor, desavisado e arrogante, sem pedir licença, arrancou um pinhão gigantesco da Araucária e começou a entalhar um boneco. O marceneiro queria fazer um fantoche. Você sabe o que é um fantoche? É um boneco que não pode ter vontade própria. E só pode dizer a verdade do seu criador. O caule logo disse; – Isso não vai dar certo. Uma seiva leitosa escorreu do lugar de onde o pinhão foi amputado. Todas as árvores do bosque fizeram um pacto. Elas combinaram de sobreviver. Mesmo quando se transformam em escrivaninha do corpo de uma Araucária, ou estantes do corpo de Iroko ou folhas prensadas de Baobá, elas têm a magia de muitas histórias contar…
Moral da história: Pinóquio não traiu a sua natureza, de dizer suas histórias como forma de sobreviver. Ficção não é mentira. É unguento, remédio, subterrânea verdade dos ancestrais. …
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