As coisas tinham sempre na gente um sonho acrescentado de criança. Nos fundos do quintal era muito bonito o jeitinho de fazer brinquedos com muita música. A gente inventava um truque para descobrir os outros lugares que são sempre ainda mais bonitos.
Tudo era como a gente sempre quis, a lembrança linda no mundo: retrato de um abandono imenso.
Tininha e Jô-jô nem muito da gente se aproximavam, antes paravam meio espiando estrelinhas pisca-pisca no céu, de uma maneira macia e perpétua. Malândia é que era a menorzinha, com os olhos enormes da mamãe, e aquela mania de falar com o dedinho quase assustado. Tio Leomar dedilhava melodias de não saber cantar, coisas de violão, ele se abria à espécie de harmonia sem motivo de explicar. Era todo dia aquilo tudo botando sentido em mim.
Nestas horas, a gente ia conversando ainda feito bobos que não se podia ter esquecimento; e se por acaso a gente esquecesse era para lembrar de novo para esquecer nunca mais.
Então, mais, o tempo passou, passou, muitíssimo, e veio: mamãe trouxe toda quietinha o jornal. A gente nem sabia ler, mas para ler a gente não precisava olhar as letras. Porque todos choravam demais e voltavam tristes da rua…
Daí, descobri naquele jornal o segredo da saudade. Eu não sabia se era o jornal que transmitia saudade a mim ou se era eu que transmitia a saudade ao jornal. Eu já conhecia a dor, mas não conhecia a dor que pegava a saudade e ajudava trazer de volta lembranças do passado. Esta saudade me protege.
Tem tanta coisa sobre Tio Leomar que eu… que a gente… não sabe. Aonde ele ia quando foi obrigado a cair? Seria ele um… homem? Alguma coisa de verdade alguém estivesse furtando? Seu violão quebrado de lado me comovia, ou já estaria preso na minha emoção? Porque, o cheiro e o amor do Tio Leomar tinham agora ficado presos na primeira página do jornal? Então, o que a gente via na foto, não era mais que, sobre a persistência da cor da pele, um pouco de herança, de rastros coloniais, e tudo o mais que a vida esconde? E, seria assim, com todos?
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