Iniciar a vida de lagarta foi dureza!
Sair do ovo debaixo daquele sol de verão do Rio de Janeiro foi um choque! Ficar se escondendo de predadores debaixo das folhas daquela goiabeira foi outra aventura até ganhar o corpo de uma lagarta adulta.
Safar-se dos borrifos do dedetizador foi outra ginástica. A maioria das suas irmãs sucumbiram àquelas gotículas mortais. Vê-las despencar era de partir o coração! Ora! Que culpa tinham se precisavam se alimentar? A paisagem se modificava com as folhas, pequenas ou grandes, ganhando novos contornos com as marcas deixadas pelos ávidos bichinhos.
Tinham tantas árvores no Campo de Santana, algumas diferentes, até exóticas… que mal fariam algumas pequenas mordidas nas goiabeiras ou nas figueiras?
Havia sempre visitantes, mas eram mais constantes os que permaneciam… dormiam nos bancos, comiam no chão e levitavam com seus entorpecentes, tão loucos para voar quanto a pequena lagarta.
As primeiras sensações chegavam e a paralisia tomava conta. Não se movia e uma espécie de proteção começava a se formar ao redor de seu corpo. As transformações ocorriam por fora e por dentro, mas a expectativa era a maior das sensações. Poderia sair daquela árvore, voar para outras paisagens dentro do parque. Mais ainda, poderia sair de lá, ver o mundo e encontrar um par…
Quem acredita que todo esse processo é indolor nunca passou por uma metamorfose… sair do casulo da mesmice é arriscar-se ao incerto. Os dias passavam e a ansiedade quase fez com que rasgasse o casulo antes do previsto.
Enfim, sentiu que a hora havia chegado. Mover-se depois de tanto tempo e num novo corpo era extasiante! Aos poucos soltou a cabeça, as longas pernas (agora tinha longas pernas!) e por fim as belas asas azuis e verdes. Ela era linda!
Sentiu o vento e se jogou nele. Deixou que a levasse e foi parar do lado de fora. Pousou no quente asfalto da Avenida Presidente Vargas em plena manhã de domingo de carnaval… e imediatamente foi esmagada por um carro alegórico que seguia para o desfile na Marquês de Sapucaí.