A mulher de Romeu vivia xingando seu cônjuge. Não que Romeu fosse um santo, ou tivesse amor infindável e dedicado por ela como na trama shakespeariana, mas ainda mantinha-se fiel aos dogmas do casamento. Mas quando a mulher começava com impropérios corria pro boteco do Seu Lourival.
“Ah! Já vai para aquele antro? Então, vá para o diabo que te carregue”! – era o xingamento preferido da velha.
Já tinha virado até bordão na vizinhança da pequena cidade. O povo, que não perdoa ninguém, quando via Seu Romeu, já dizia “lá vai o diabo que te carregue!”
Se o pobre não fazia o que ela queria conforme ela queria, ela já invocava o Coisa Ruim. Se ele sentasse pra ver TV e colocasse no Jornal da Record a velha já mandava colocar na novela da Globo. “E se não quiser ver, vá para o diabo que te carregue!”
Romeu tinha paciência de santo. Achava que a culpa tinha sido dele. Afinal, casaram-se muito novinhos e a mulher tinha crescido sem mãe. O pai e os irmãos dela eram uns boçais e a tratavam como um garoto. Mas ela, querendo sair de casa logo, se “embonitava” toda e ficava na janela toda tarde com rostinho pintado de boneca e suspirando feito sonhadora. Romeu se enamorou e pediu para cortejar a jovem. O pai, mais que de pronto, concedeu o namoro…devia ter desconfiado logo aí…
Durante o namoro, ela se mostrou um doce de mulher. Cuidar da sua própria casa, de seu marido e de seus filhos era seu sonho!…Romeu, funcionário público, podia sustentar isso, mesmo que de forma modesta. O casamento se deu na igreja como era sonho dela, depois uma festa simples. O sogro lhe dava tapinhas nas costas e dizia que era sortudo…só não explicava se o sortudo era Romeu ou ele mesmo.
Então, logo depois do casamento, a mulher se revelou: cuidava da casa do seu jeito, fazia comida do seu jeito e lhe dava com o marido do seu jeito e ai dele se se rebelasse. Ela logo o mandado para que o diabo o carregasse. A vida ficou amarga. Romeu não perdia as esperanças, vai que ela melhora…Filhos, pensando bem, melhor não tê-los. Seria melhor assim, menos gente pra ela atazanar. Cadê a moça meiga por quem se apaixonara?…
O tempo foi passando, até que um dia um homem muito estranho, alto, de rosto vermelho e chapéu Panamá com uns adornos esquisitos saindo do chapéu e usando uma capa grossa (mesmo que tivesse um baita sol) bateu na porta do casal. A mulher atendeu e logo o estranho perguntou por Romeu.
“Romeu não tá. O que você quer com ele?” – perguntou a mulher desconfiada.
“Vim buscá-lo conforme suas orientações”
“Como é que é? Não mandei ninguém vir buscar Romeu!”
“Mandou sim! E faz muito tempo. Peço desculpas pela demora, mas a demanda tá cada vez maior e a agenda anda lotada”.
“Mas quem é você” – disse a mulher ainda sem entender.
“Sou aquele que a senhora pede para carregá-lo desde a primeira briga de vocês” – disse de forma simples o forasteiro.
“Mas eu não mandei ninguém carrega…….” foi aí que ela entendeu. Pela primeira vez tremeu nas bases. Meu Deus, o Inominável tinha mesmo vindo buscar seu marido!! E agora? Romeu não era um Cauã Reymond, mas era seu. Tinha trabalho, era honesto e, às vezes, até a tratava bem. Tinham uma casinha minúscula, que ela também maldizia, mas era deles. E se ele fosse embora pras terras baixas, quem iria sustentá-la? No fundo, ela sabia bem o gênio ruim e o mau humor que tinha…
“O senhor deve estar enganado! Nunca mandei que levasse meu marido!” – falou toda mansa.
“Minha senhora, sou muitas coisas e me chamam de muitas coisas, menos de surdo”.
“Olha, esse é o único marido que tenho e sei que não conseguirei outro nessa vida. Então, faço um trato com o senhor…”
“Comigo? Poucos se arriscam a tanto…”
“Eu vou me arriscar. O trato é o seguinte: nunca mais mando o senhor carregar meu marido. Em troca, pode me carregar. Mas só quando eu morrer. Sei que para cima não vou mesmo… Trato feito?”
O tal pensou um pouco e aceitou o acordo. A mulher bateu logo a porta antes que ele mudasse de ideia.
Alguns quarteirões depois….
“E aí, Roberto? Ela caiu no conto?” – pergunta um Romeu bastante ansioso.
“Claro! Sou um ator nato.” – disse Roberto, amigo artista de Romeu, tirando o grosso sobretudo e a maquiagem lúgubre – “vai te tratar melhor daqui por diante. Você vai ver.”
“Mesmo? E como foi? – Romeu se pôs feliz ao ouvir o relato.
Voltou pra casa e foi bem recebido, com jantar e tudo. Agora a vida seria boa…
Alguns anos depois, no velório da mulher, um choroso Romeu abre a porta para um estranho que lhe diz: “Vim buscar o pagamento do acordo…”
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