Dionísio Prazeres, o Dino, sabia mesmo viver. Gostava de aproveitar as coisas boas da vida, frequentar as festas mais badaladas e, sobretudo, comer do bom e do melhor. Não que fosse abastado, era tão somente um já aposentado funcionário dos Correios. Tinha apenas quarenta e três anos de idade e, três anos antes, fizera um checkup, quando foi detectado um problema no coração. Descobriu quase por acaso, nunca percebera nenhum sintoma. Não era nada que o atrapalhasse em seu cotidiano, mas o suficiente para obter sua aposentadoria. Melhor assim.
Dino dedicava todo o seu tempo livre a descobrir onde seria o próximo regabofe da vez. Usava seu conhecimento das ruas da cidade para colocar seu melhor traje e perambular pelos logradouros mais chiques. Ia aonde tinha maior fluxo de pessoas bem-vestidas. Simplesmente se misturava e seguia junto, era um penetra profissional.
Por vezes, encontrava alguns obstáculos. Não gostava tanto de recepções de casamentos, porque geralmente atraíam convidados mais sociáveis, que puxavam assunto e aí tinha que inventar se era conhecido do noivo e da noiva. Por isso, geralmente, ficava menos tempo do que gostaria. Partia antes que seu repertório de mentiras se esgotasse e acabasse sendo descoberto.
O grande filão mesmo era velório em casa. Gente rica, triste, amuada, olhando o tempo todo para o caixão. Chorando tanto que nem lembravam de encarar quem estava ali. E, o mais importante, esqueciam até de comer. Ficava aquela mesa ali, bem servida, esquecida, abandonada. Dionísio quase exercia uma função social: era altamente habilitado em evitar desperdícios. Enquanto velavam o defunto, cuidava ele dos canapés, das pastinhas, das frutas e dos frios delicadamente enrolados em formato cilíndrico, ornamentando o lugar. Ora, comida não era decoração e ele sabia demonstrar isso como ninguém.
Naquela manhã de final de inverno, sentiu-se com sorte. Viu nas redes sociais o comunicado do falecimento de Armando Truta, da tradicional família Truta Fina, uma das mais abastadas da região. Ele e Armando chegaram a fazer pré-escolar juntos, mas o menino do berço de ouro mudou-se para a Europa e foi estudar na Suíça, enquanto Prazeres jamais saíra de sua terra natal. Até chegou a ouvir falar de Armando uma ou duas vezes na televisão, mas nem prestava atenção às notícias. Enfim, nunca tiveram contato, razão pela qual não possuía qualquer vínculo afetivo com o morto. Por outro lado, certamente gostaria de ter vínculo com aquele velório, sabia bem que os Truta Fina nunca foram de economizar.
Logo que chegou à mansão, viu o salão cheio. Achou que não tinha demorado tanto, dirigiu-se ao local tão logo soube da informação, mas devia ser tarde, porque o esquife da última viagem de Armando já estava fechado. Tratou de se apressar e degustar os aperitivos, antes que a casa fechasse e o cortejo fúnebre saísse. Enquanto comia, ouviu um alarme de incêndio. Todos correram e deixaram o espaço, mas Dionísio não se abalou. Afinal de contas, não havia nenhum sinal de fumaça, nenhum cheiro esquisito, nenhuma faísca visível, deveria ser um alarme falso. Se todos saíram, melhor para ele. Aproveitaria tudo sozinho, pelo menos até que voltassem.
O que Dino não esperava era que a tampa do caixão começasse a se mover e logo pudesse contemplar, bem a sua frente, o falecido Armando, sacudindo a roupa e ficando de pé. O frágil coração dionisíaco não resistiu àquela cena. Caiu durinho, ali mesmo. Em seguida, Arlindo, irmão de Armando, adentrou o salão e não conseguiu entender nada do que estava acontecendo.
O plano era fingir a morte de Armando, arrumar uma identidade falsa para ele e receber o dinheiro do seguro de vida feito em favor de Arlindo, já que as contas na Suíça estavam todas bloqueadas. Disparariam o alarme, Armando deixaria o caixão e iriam trocá-lo por um boneco cheio de pedras. Todavia, receberam de presente do destino algo muito melhor: um cadáver substituto. Arrumaram o novo defunto em seu lugar, colocaram as flores com cuidado, e antes de fechar a tampa do caixão, Armando ainda teve tempo de dar uma última encarada em Dionísio e, mesmo sem saber quem ele era, cismou que conhecia aquele sujeito de algum lugar. De onde seria?
Muito bom esse conto .👏👏
Alexandre, gosto muito das surpresas que apronta em suas crônicas! 😀
Já seu talento… não me surpreende! Ele está sempre presente! 🤩
Prima querida. Muitíssimo obrigado. :*
Valeu Totó. Abraço camarada.
Muito legal! Que delícia de história e com direito a surpresa no final ! Que personagem malandro, carismático, “rodrigueano”! Puro suco da cariocagem! Ansiosa pelos próximos contos!
Michelle, valeu minha amiga. Que coisa boa receber seu comentário. Fico feliz que tenha gostado. Grande abraço.