parede fotos árvore

A parede

Fayola suspirou frustrada… afinal, o que deveria fazer com aquela parede nua de sua bonita sala de estar? Por que estava gastando suas férias empacada nisso? Pensou em fazer uma textura….não! Achava aquilo esquisito e não iria colocar na sua parede só porque tava na moda.   Pensou em colocar um destaque, numa cor diferente… também acabou desistindo.

Fayola tinha acabado de decorar sua pequena casa. A avó tinha deixado pra ela em testamento. Também tinha lhe deixado outro legado: o nome. Ela o detestava! Quando era pequena os colegas de escola a apelidavam de rabiola ou rabiola pretinha. Ela sabia que seu nome tinha algum significado yorubá, mas como o odiava nunca perguntou à avó o que era. Fayola não entendia por que vovó Ayanna não havia deixado a casa pra sua mãe, filha única. Achou que era uma maneira de ajudar a neta, a única a terminar uma faculdade na família. Nem seus primos por parte de pai tinham tido essa possibilidade. Alguns só conseguiram terminar o ensino fundamental e médio graças a Educação de Jovens e Adultos da escola do bairro que recebia todos aqueles que queriam continuar seus estudos.

Graças às cotas, Fayola tinha entrado numa universidade pública e cursado Licenciatura em Artes. A avó, no começo, achou que ela deveria fazer algo de “mais futuro”, como medicina e direito. Ela dizia que neta dela merecia ser doutora. A jovem achava graça e dizia que gostava do que fazia e queria lecionar para as crianças, tentando fazê-las enxergar o belo em meio à vida dura de crianças pretas, pobres e de periferia. Ela tinha conseguido passar no concurso para professora e lecionava na mesma escola onde tinha completado seus estudos na infância. Um dia, quem sabe ela seria doutora, mas doutora em Artes Plásticas!

Fayola voltou a olhar a parede nua, só no cimento queimado e continuava sem saber o que fazer, até que seu celular vibrou no bolso. Era sua mãe:
– Oi, filha! Tá ocupada?
– Tô as voltas com aquela parede ainda. Tô no vácuo!!! – disse Fayola usando uma das gírias de seus alunos.
– Ah, então liguei na hora certa! Vem aqui em casa rapidinho que quero te dar uma coisa que a sua vó deixou pra você.
– Outra coisa? Preferia tê-la conosco aqui… já se passou quase um ano, mas ainda dói muito…
– Quem não queria?! Mas Deus a chamou. Seja feita a Sua vontade! Agora são os anjos que tem que mostrar as mãos lavadas e as orelhas limpas. – Brincou a mãe, lembrando-se de uma mania que dona Aynna tinha com todos da família. Ai de quem tivesse comendo sem lavar as mãos antes…..
– O que a vovó deixou?
– Não sei. Na verdade é uma caixa de sapato lacrado com seu nome escrito em cima. Tava no quartinho dos fundos junto com as coisas que ainda não doei….(a mãe tava se desfazendo aos poucos das coisas da vovó)…

Fayola foi rapidinho na mãe que mora na rua de cima da casa dela. Lá chegando, a mãe logo lhe entregou a caixa. Fayola abriu e não entendeu. Parecia um monte de fotografias velhas. A mãe a fez parar de tirar as fotos e olhou pra uma delas:
– Peraí! Acho que essa é a Aina…
– Quem?
– Aina, a irmã de sua avó. Eu acho que é porque essa ao lado é sua avó quando criança. Aina era um ano mais nova que ela e morreu ainda mocinha. Esses atrás são meus avós: vovó Anike e vovô Akin. Veja! Acho que tem algo escrito atrás. De fato, todas as fotos tinham nome e os graus de parentesco com minha mãe e, é claro, comigo. Nunca tinha visto aqueles rostos, mas podia me ver em cada traço deles: minha cor, meus cabelos, minha origem.

Futucando a caixinha, chegou na última foto e atrás estava escrito “minha amada vovó Fayola, que quer dizer, sorte caminha com honra”. Os olhos de Fayola se encheram de lágrimas: seu nome era o mesmo de sua tataravó! Todos aqueles nomes eram em Yorubá, inclusive o seu. Ele não tinha sido dado em vão, sua avó a homenageara com o nome de alguém que ela amou muito….A jovem agradeceu à mãe e voltou pra casa. 

Cinco dias depois, Fayola ligou pra mãe e pediu que ela fosse a sua casa. Tinha conseguido acabar a parede. A mãe já entra reclamando:
– Tava fazendo cuscuz e você me interrompe por causa de uma pa…

A mãe emudece e vê uma gigantesca árvore pintada em toda a parede e, em cada galho dela, há uma foto presa da caixinha de sapato e mais fotos dela, do marido e de Fayola. Emocionada, ela olha pra filha com uma pergunta muda nos olhos.

Fayola diz também emocionada:
– Chamei a parede de “minha herança africana”.