Acabo de me lembrar: esqueci de novo a palavra.
É fato que os poetas vivem procurando as palavras pros seus versos. Mas, as mais adequadas nunca são aquelas que nos encontram facilmente. Nunca são quaisquer palavras.
Quando ouvi a Poesia me chamando, e a experiência tem me mostrado isso, dificultei em muito a minha vida escolhendo os sonetos. Bem, pelo menos é o que acredito. Que não me ouçam os poetas de versos livres!
A primeira vez que a tal palavra surgiu, eu estava numa lotada avenida Rio Branco no horário do almoço, lutando pra um sorvete não me sujar. E já faz um tempo.
Agora, carro na estrada voltando pra cidade depois de uma semana na serra, cruzei novamente com a palavra. Só não lembro onde e nem qual.
Não sei quando isso ocorreu. Talvez entre a carona que dei à Colombina e a outra carona, dada ao grupo animado vestido de roupas brancas com bolas pretas.
Em fevereiro, tudo pode acontecer.
Tenho certeza de que quando meus amigos do trabalho ouvirem minha história não acreditarão. Eu não acreditaria.
– Oi, moço! Me dá uma carona até mais pra baixo da serra?
– Sim, pode entrar.
– Obrigada!
– Como você se chama?
– Hoje eu me chamo Colombina.
A resposta soou até simpática, mas resolvi permanecer quieto o resto da viagem. Se ela disse que era Colombina, tudo bem, não discutiria.
– Quando estivermos perto de onde você vai ficar, é só dizer pra eu desacelerar o carro.
– Colombina!
Foi tudo o que ela respondeu. Devia ser seu mantra naquele dia.
Alguns minutos depois ela disse que entraria na próxima entrada à direita.
Parei. Ela desceu.
Carro na estrada, não demorou muito e um grupo de duas moças e um rapaz, vestidos com roupas brancas ornamentadas de bolas pretas, acenou pedindo carona.
– Amigo, poderia nos dar uma carona até a estrada velha?
– Claro, vou ter que passar por lá mesmo.
Fiquei quieto desta vez.
Recordando os acontecimentos da viagem não consigo lembrar a palavra. Já estou retornando pra casa na serra, torcendo pra reencontrá-la.
Já tinha viajado por duas horas. Mesmo assim, voltar vale o atraso. Não tem jeito.
Comecei o soneto há três meses e os dois primeiros quartetos caíram no meu colo como doces presentes. Um fluxo incontrolável de versos e rimas que me deixaram meio tonto.
O suor veio quando cheguei no primeiro terceto.
Nada me agradava. Nenhuma rima. As palavras soavam artificiais, vigiadas pelos irrepreensíveis dois quartetos iniciais.
Aos poucos, em rápidos momentos, a inspiração me acenava e eu corria pro bloco de anotações do celular. E assim os versos foram tomando corpo. Até que o décimo quarto verso (o heroico do meu petrarquiano) resolveu se esconder de mim.
Cheguei em casa finalmente.
Ah! Olha só, aqui está a palavra.
E eu pensando que ela estava na estrada.
Esse tempo todo ela estava aqui: escrita no final do soneto. Ainda bem!
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