Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1897.
Estimada Senhora Sancha,
Conforta-me receber vossas cartas com regularidade. Passaram-se já muitos anos após a morte de Escobar e o inexplicável comportamento de Capitu ante o defunto, para a vossa e minha vergonha. A pergunta que a senhora se fez naquele momento de tamanho infortúnio, a faço até hoje: se eu tivesse morrido, iria minha esposa desesperar-se daquela forma?
Não encontrei melhor maneira de amenizar a vossa dor e vergonha, senão garantindo-lhes as despesas, até que Capituzinha termine os estudos e inicie a carreira de professora.
Durante esses anos, temos trocado cartas e confidências. Ah, estimada Sancha, que triste vida a nossa! Fomos os dois apunhalados. Não digo pelas costas, mas diretamente no coração.
Eu amava Capitu. Mais que a mim mesmo. Eu a amei com todas as minhas forças. Com todo o meu corpo, com todo o meu desejo. Capitu era a minha própria vida. E o que ela fez? Roubou a minha vida e a tomou pra si. Egoísta! Vil! Maldita!!
O que sou hoje? Um pai que renegou o filho? Um covarde que sequer consegue acabar com a própria existência? Um homem que vive atormentado pela insuportável dor de amar? Um casmurro apontado nas ruas? Noite após noite, revivo o mesmo tormento ao lembrar-me de Escobar no caixão e Capitu ao seu lado, descontroladamente aos prantos, como se a viúva fosse. Tornei-me um resto de homem, estimada Sancha. Resto! E volto à trágica pergunta: se eu tivesse morrido, iria minha esposa desesperar-se daquela forma? Jamais saberemos.
Com meus sinceros cumprimentos,
Bento Santiago
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