Era uma vez… Esta frase é o início frequente de histórias infantis. Mas, este conto, ao invés de Branca de Neve, Bela Adormecida e muitos outros títulos existentes na literatura infantil, contém partes da infância de um menino que nasceu em uma antiga fábrica de tecidos localizada na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, em que seu pai era o vigia e, na época, sem ter onde morar, vivia com a mulher e mais cinco filhos em um pequeno aposento que a fábrica destinava aos empregados com esta função.
Por incrível que possa parecer, o menino ficou com três datas de nascimento. Calma, crianças, que vou explicar. Embora em sua carteira de identidade conste o dia 25/12, ele veio ao mundo realmente dia 21/12, mas só foi registrado no dia 04/01 do ano seguinte. Hum… continuam sem entender nada né?… Calma que agora entenderão. Na época, um registro de nascimento em cartório tinha um prazo de dez dias, a contar da data do parto, e pagamento de multa, caso não ocorresse. Seu pai só foi registrá-lo dia 04/01 do ano seguinte. Sem dinheiro para pagar a multa, ele e mais duas testemunhas, seus amigos e coniventes, mentiram e alteraram a data quando lhes foi perguntado o dia do nascimento. E o que tem a ver isso tudo com o menino? Ao saber do fato, alguns anos depois, sempre ficava triste e aborrecido no dia irreal do seu nascimento. Por ser também Natal, recebia apenas um presente ao invés de dois. Feliz Natal… Parabéns pra você…
Antes de completar três anos, seu pai conseguiu comprar uma pequena casa no bairro Catrambí, distante de outra fábrica em que foi trabalhar, não mais como vigia, mas com função fiscal. Até os onze anos, suas recordações são muitas. Vejamos algumas:
De berço pobre, sem muitos brinquedos e amigos, o jeito era improvisar para “passar o tempo” que sobrava após cumprir sua agenda diária. Primeiro, ir cedinho comprar pão e ficar na fila da “vaca leiteira”, um caminhão parecido com o tipo hoje utilizado para transporte de água, só que o conteúdo era leite com dispositivos para encher os litros. Depois do café, ia para a escola com seus irmãos, roupas simples e tamancos. Só voltava para almoço. Fazer bolhas com sabão, soltar pipas feitas com papel de pão e tiras de piaçaba, observar formigas carregando o que consideravam alimento para os seus ninhos. Ele matava moscas e baratas e as deixava longe dos buracos em que as mesmas residiam, ou melhor, se escondiam… Assim, as horas voavam e, à tardinha, sentava em um banquinho no portão “vendo a banda passar”. Para ele, a noite era o melhor do dia pois, morando no alto de um morro, poucas luzes residenciais e com o céu limpo, contemplava o brilho das estrelas e da lua, principalmente em sua fase cheia. Ele não poderia imaginar que três décadas após seres humanos ainda iriam alcançar, pisar e explorar seus mistérios e encantos. São apenas partes da infância de um menino.
E quem é esse personagem? Está em algum livro? Fictício ou real? É real e está aqui presente, em uma roda de poetas e amigos.
Muito legal esse conto. Parabéns pela coragem de externar experiências reais. Sucesso!