casa abandonada

A casa dos gritos

Ninguém gostava de passar em frente da casa 6. Ela ficava no final da rua Bonfim, no bairro da Saudade. Os vizinhos mais antigos diziam que aquele lugar era amaldiçoado. A fachada parecia mesmo um cenário de filme de terror, com jardim de grama seca, as paredes estavam com uma tinta cinza velha, partes descascadas e manchadas pelo tempo. As portas e janelas eram de madeira velha, pareciam ser do século passado. Lá dentro não tinha nada além de um sofá velho, uma estante com alguns livros e um retrato de um homem de meia idade, segurando uma vela acesa.

Os moradores mais velhos evitavam falar sobre aquele imóvel, tinham medo da maldição do Capitão do Mato. Os vizinhos falavam que na primeira noite de lua cheia de cada mês dava pra se ouvir gritos, gemidos e sussurros vindos lá de dentro. Alguns turistas passavam em frente a casa e tiravam fotos.

Dona Abigail era a única pessoa viva que sabia o que tinha acontecido dentro daquelas paredes. Ela é uma senhora com noventa e oito anos. Dona Bibi ou Vó Bibi, era assim que todo mundo a chamava. Recentemente ela resolveu contar o que aconteceu quando ela tinha sete anos.

“O ano era 1934 e eu estava brincando com a minha irmã, Madalena, e uma amiga que veio nos visitar naquele verão. Estávamos brincando com uma bola e, por descuido, ela caiu nos jardins da frente. Minha irmã e Vitória, nossa amiga, me convenceram a tocar o sininho do portão para pedir que pegasse a bola. Eu obedeci as duas, afinal, eu tinha sete anos. Margarida tinha doze e Vitória dez anos.

Eu toquei o sininho de novo e o portão se abriu sozinho. Minha irmã e a amiga dela atravessaram a rua para o outro lado. Elas pareciam estar com muito medo. Eu resolvi entrar pra pegar a bola. Eram menos de cinquenta passos. Que mal haveria de ter?

A porta da sala abriu sozinha, na mesma hora em que o portão de grade na parte da frente fechou. Eu olhei pra rua e não vi Madalena, muito menos Vitória. Fiquei ali sozinha, parada. Lá de dentro ouvi gritos. Parecia que tinha alguém sendo torturado na sala ou no quarto frontal do segundo andar. Eu não consegui dar um passo para frente. Minhas pernas estavam paralisadas e eu só queria a minha mãe ali.

De repente os gritos pararam e uma voz grossa veio de dentro da casa:
– SAIA DAQUI E NUNCA MAIS VOLTE!

Eu só consegui parar de correr quando abri o portão da minha casa. Foi um susto tremendo.

Os relatos de Dona Bibi foram parar nas mãos de um redator que teve uma brilhante ideia para um roteiro. Ele queria usar a história para lançar uma minissérie e, anos depois, foi lançado o piloto A CASA DOS GRITOS. Ganharam indicações para o GRAMY LATINO, mas foram desclassificados: os jurados consideraram como plágio.

A casa ainda continua no mesmo lugar e toda terceira noite de lua cheia do ano os vizinhos escutam uma voz grossa gritando lá dentro:
– SAIAM DAQUI E NUNCA MAIS VOLTEM!