Era uma vez uma barata cascuda que perdeu tudo na enchente, inclusive o Senhor Baratão, o amor da sua vida. Desde então, morava no esgoto, no centro de Morro Agudo, no ralo da esquina – ponto privilegiado – em frente ao Café Elegante.
O Café Elegante pertencia a uma Cachorra de Madame orgulhosa e vaidosa. A cachorra não falava com a vizinha, estava sempre de nariz empinado, nem dava bola para a Cascuda. A metida desfilava vestida num pelo cor-de-rosa, laço vermelho na cabeça, unhas feitas, uma boneca de luxo. Sentia-se a cereja do bolo, o último biscoito pacote.
Cascuda mantinha a casa limpinha, cheirosa, dava gosto de olhar o buraco dela. Aposentada da Companhia de Esgoto, vivia de poesia. Soltava os versos todo dia:
“Eu amor, sou a palavra de duas sílabas, com quatro letras, a lhe abraçar, só te peço me aceitar dentro do seu coração.”
O Café Elegante reunia o casal de formigas, a família da borboleta gay, os amigos do pastor alemão, os cupins artistas, as mariposas poetas, as minhocas dançarinas, o universo cultural do local.
Todos, sem exceção, antes de se render aos apelos dos doces, na cafeteria, assistiam ao sarau da Barata Cascuda, sempre repetindo:
“Eu amor, sou o a palavra de duas sílabas, com quatro letras, a lhe abraçar, só te peço me aceitar dentro do seu coração.”
A Cachorra de Madame, muito invejosa, vendo o sucesso da poeta, despejou a Barata Cascuda cano a baixo, numa enxurrada de creolina e sabão em pó. A barata quase bateu as botas, indo residir na praça pública.
Em praça pública, a Barata Cascuda ampliou o sarau: chamou os cupins pra tocar, as minhocas vieram dançar, as borboletas voaram felizes… As formigas resolveram namorar por lá, o coração da cidade bombou de felicidade!
Quanto ao Café Elegante, esvaziou, a turma sumiu, arriou as portas, faliu. A Cachorra de Madame foi rolar em outras bandas, mudou de ramo, abandonou o negócio com a gente.
Amei essa barata cascuda!!! Lembra muita gente boa por aí.