O crédulo ultrapassa a grande porta de madeira esculpida com os momentos da vida de Cristo. A igreja gótica mostra, ao fundo sombrio,
sua grande garganta obscura. Ele se sente tragado e engolido pelos mistérios místicos. Lá fora é o mundo material e cá dentro ele transpira o etéreo. Dentro de si, sente a alma se mover. Não há mais sangues, intestinos, músculos ou gases, ou ainda os ossos duros. Há um infinito feito de algo imaterial que não saberia explicar. Seus olhos correram o recinto. Procurou o confessionário, construído com uma madeira pesada que irá resistir centenas de anos. Senta-se e olha através da grade de madeira um vulto, quase uma sombra, a centímetros dele. Tornou a olhar para o lado interno do confessionário a silhueta escura permanecia imóvel, como aguardando suas confissões. Foi então, com as mãos e dedos entrecruzados, que se agarravam ao seu queixo e a fronte baixa que começou…
-Perdoe, padre. Perdoe minha vida devassa. Perdoe minha descrença. Perdoe minha ganância. Perdoe minha falta de patriotismo, meu orgulho cego… Me perdoe, pois não acredito em perdões vazios. Minha falta de fidelidade, meus vícios, meus ódios, meu egoísmo, meu paganismo… Perdoe, pois não creio em confissões. Há gente que cultiva e queima bruxas e baba com seus gritos… Ao redor, as esculturas dos santos se entreolharam e dirigiram seus olhos pétreos na direção do confessante. Este olhou através da grade de madeira dentro do confessionário e o vulto escuro continuava imóvel diante de tantas heresias. Apontou seu dedo em direção ao pároco, emitindo mais uma multidão de xingamentos, mas o vulto continuava imóvel. Do nada, uma brisa fria e com um ruido sibilante envolveu num estranho redemoinho o confessionário e o confessante. Entre um certo temor e curiosidade pela imobilidade do confessor, o crédulo abre de súbito a pequena porta do confessionário e tira o capuz que encobria aquele corpo inerte e mudo. Descobre então que tinha se confessado com a última geração de um computador Microsoft e os santos eram virtuais e sumiram, e a igreja era virtual. Incrédulo com todo esse espetáculo de um mundo paralelo, apertou um botão no meio da testa e desapareceu.
Qual é a sua reação?
Amei2
Sad0
Feliz0
Sleepy0
Raiva0
Morto0
Wink0
Maravilhoso. E genial o conto ter sido datilografado, integra a própria essência do texto. Parabéns Lafa!