Mais um dia. A jovem Mírian levantou-se. Persistente, lutou contra a própria vontade. Tinha apenas vinte e três anos, mas o pequeno Beto estava prestes a completar dois. Muito miúdo ainda: necessitava dela mais do que tudo.
Apesar disso, a verdade é que a moça tinha o desejo de sumir ou, simplesmente, de passar o dia inteiro na cama. Era nova demais para ser viúva e aqueles últimos meses tinham sido de dor e tristeza.
No princípio, era como se uma espada lhe atravessasse o corpo, cortando a própria alma, uma sensação aguda, penetrante. Depois de duas ou três semanas a coisa mudou, passou a ser como se carregasse um fardo imenso no peito: era o peso do mais absoluto e aterrador vazio. Não doía menos, doía diferente. No fim das contas, era tudo sofrimento.
Lembrava do beijo doce de despedida de Hans, prometendo para o filho um brinquedinho novo de uma das cidades por onde passasse. Muito mais amarga era outra recordação, a do exato momento em que a notícia veio pelo rádio. O repórter Esso anunciou o desastre aéreo. A missão da Aeronáutica precisou aterrissar de emergência. O hábil piloto teve êxito no procedimento, mas aldeões locais se aproximaram com tochas para ver o que tinha acontecido. Os restos de gasolina eliminados durante o pouso foram combustível mais que o suficiente para provocar a explosão. Tripulação da aeronave e população local: todos atingidos, ninguém sobreviveu. Quando o comandante ligou, ela já sabia que era para informar o óbito de seu amado, muito embora Mírian não quisesse e não pudesse acreditar.
Passados noventa dias do acidente, Mírian precisava resolver algumas questões burocráticas. Deixou o filho com seu irmão Heraldo e foi à base aérea, pedir ajuda com a questão da pensão, pois suas economias já estavam no fim. Lá chegando, um homem alto, de meia idade, com a farda impecável, cumprimentou-a cordialmente e, em seguida, indagou:
– Com licença, você é a esposa do Hans, certo?
– Sim, sou eu mesma.
– Você deve me odiar…
– Eu nem conheço o senhor.
– Sou o tenente Barroso. Pode me chamar de Júlio. Gostava muito daquele piloto teimoso. Era para eu ter ido nessa missão e não ele. Mas eu recebi um aviso de que o avião não voltaria.
– Aviso? Que história maluca é essa?!
– Isso, um aviso espiritual. Meu guia me alertou. É claro que contei a todos. E é claro que ninguém acreditou. Tentei impedir, mas não pude fazer nada de concreto. Somente me recusei a embarcar. E o Hans… aquele rapaz adorava voar! Estava sempre disponível para cobrir o serviço de quem tivesse qualquer problema. Será que algum dia a senhora vai poder me perdoar?
Após ouvir essas palavras, Mírian olhou para o alto, como se seu pensamento tivesse criado asas e seus próprios olhos desejassem segui-lo. Em seguida, voltou a contemplar o olhar apreensivo de Barroso e lhe disse:
– Ele realmente adorava voar e nunca acreditou naquilo que não pudesse provar. Nesse instante, nem eu mesma sei se acredito. Ele foi um marido e um pai muito amoroso, afetuoso, mas eu sabia que seu verdadeiro lar era o céu. Prefiro imaginar que ele nunca pousou. Foi subindo, subindo, seguindo tão distante… que já não foi possível voltar. Um voo só de ida. Sem volta para mim, para Beto, para nosso apartamento. Preciso admitir: eu não sei o que falar de perdão. Há três meses… só sei falar de saudade.
Que lindo conto, parabéns querido amigo.
Denise, muito obrigado, minha amiga. Grande abraço.
Alexandre, que história bonita, forte. E muito bem escrita.
Bom.dia minha mestra querida. Sim, é forte mesmo. Muito obrigado pela leitura. Fico feliz que tenha gostado. Grande abraço.
Alexandre, que linda história!!
Obrigado prima. Beijos no coração ♥
Pequeno, mas belo, poético e profundo conto. Uma metáfora da vida: um voo só de ida.
Muito obrigado pela leitura, meu amigo. Abraço pra ti.