Léo era um menino pobre, de família bem humilde. Não tinha lápis de cor, canetinha, que dirá cola e tesoura. Todos sabiam que os pais viviam de biscates. Comia e repetia na escola porque sabia que não teria almoço quando chegasse em casa. Mas dizia pra todo mundo que tinha muitos brinquedos, cada dia um novo. A galera da escola não acreditava. Vitor e Pedro, que pareciam os mais riquinhos da turma, diziam que duvidavam que ele tivesse qualquer brinquedo legal.
Um dia, Vitor e Pedro falaram que iriam pegá-lo na mentira e resolveram seguir o garoto até em casa. Para os pais, disseram que um ia passar a tarde na casa do outro e voltariam antes da novela das seis. No caminho pra casa, viram Léo pegar vários pedaços de gesso quebrado que saíam de uma loja em reforma. No terreno baldio ao lado, Léo pegou uma caixa de papelão grosso e vários jornais velhos. A dupla de espiões, Vitor e Pedro, acharam que era pra vender. “Viu? Se ele ia vender aquele lixo, como teria um monte de brinquedos?” – cochichou Vitor.
Chegando próximo à casa de Léo, viram uma pequena construção ainda no tijolo e várias crianças pequenas no quintal de terra. As crianças estavam meio que sozinhas, sem nenhum adulto por perto; de short, os meninos e de calcinha, as meninas. Umas faziam um buraco, cavando o chão, outras apenas corriam feito doidas.
Vitor e Pedro se esconderam atrás de um tufo de mato e ficaram olhando. Nem que demorasse a tarde toda iriam desmascarar aquele garoto moreninho. Léo entrou e logo veio pro quintal trazendo os pedaços de gesso. Ele chamou as crianças e deu um pedaço pra cada uma. Léo começou a falar de um castelo e começou a desenhar na parede de tijolos da casa. As criancinhas começaram a fazer seus desenhos, cada um mais infantil do que o outro. Léo pediu pra um dos meninos desenhar um príncipe e uma das meninas fez uma princesa. Um gritou: “E eu?” Você faz o cachorro do príncipe e você, Luizinho (apontou pro menorzinho) vai desenhar o gato da princesa”. E lá se foram desenhos de árvores, de passarinhos, de flores. Cada um dava um nome pro seu desenho mesmo que não ficasse nem um pouco parecido com o que diziam. Léo pedia pra todos baterem palmas. Os pequenos riam e sonhavam com o gesso branco sujando as mãos.
Pedro e Vitor viram quando um garoto do tamanho de Léo passava pela grade de arame farpado que dividia o terreno com o vizinho. As crianças o chamaram de Diguinho. Pedro achou que o conhecia de algum lugar. Ele trazia uma meia velha grande, dessas de jogador de futebol e deu pra Léo, que saiu correndo e voltou com aquele monte de jornal velho. Todos se sentaram no quintal e começaram a colocar as folhas uma em cima da outra. Léo e Diguinho juntavam tudo com força fazendo a forma de uma pequena esfera. Juntos enfiaram na meia e deram um forte nó. Aí sim! A bola do dia tava pronta! Desenharam o campo e os gols no chão com um pedaço de galho seco. Foi uma festa só! Todos queriam chutar ao mesmo tempo, gritinhos podiam ser ouvidos. Um deles caiu no chão e começou a chorar, mas logo se levantou e voltou a correr gritando novamente. Não importava quem estava ganhando ou quem fazia gol. Eles só queriam poder chutar a bola improvisada. Quando parecia que os pequenos estavam enjoados da bola, Diguinho tirou do bolso um pedaço grande de barbante, desses que se usa pra amarrar aquelas sacas de pipoca vermelha que se compra em casa de doces. Pedro se lembrou de onde conhecia Diguinho. Era ele que vendia pipoca na porta do parque no fim de semana…
Léo trouxe de dentro de casa a tal caixa e amarrou cada ponta do barbante nas laterais. Pegou uma das crianças, colocou dentro e saiu puxando, como se ela fosse uma carruagem! Todas gritavam pedindo: “Agora eu!” No meio da brincadeira, a caixa rasgou toda. Mas já estavam todas cansadas de brincar com tantos brinquedos diferentes e entraram em casa tagarelando pelos cotovelos…Léo levantou os olhos e pareceu olhar diretamente pro tufo de mato onde estavam escondidos os meninos e acenou um adeus.
Vitor e Pedro, ainda sentados, se levantaram com as pernas doendo e mal se falavam. Voltaram pra casa cada um acompanhado de seus pensamentos. Vitor entrou em casa, olhou pro vídeo game em cima do rack da sala, viu de relance o tablet em cima de sua cama, mas foi logo pra cozinha onde encontrou sua mãe e perguntou: “Mãe, a gente tem jornal em casa e meia velha?”
Conto lindíssimo, parabéns!
Um belo conto que traz uma realidade, onde nos faz pensar entre a distância do ‘ter’ e do ‘sentir’.
Profundo, Carla. Me trouxe saudade da infância mais simples, no quintal.
Magnífico, Carla!
O conceito da maioria das coisas que conhecemos, está no resultado, não na proposta.
Realmente, uma caixa de papelão e um simples barbante, traz uma ideia de pobreza, de falta de recursos.
Porém, o resultado, é o que conta!
Ainda bem que os pequenos Vítor e Pedro tiveram a chance de aprender isso tão novinhos.
Muita gente vive a vida inteira, e não aprende nunca…
Obrigada por um conto tão expressivo e tocante!