Três anos, quatro meses, dezenove dias e seis deliciosas horas encaixados na posição mais afetiva de um casal. Côncavo, convexo. Ele levantou, não disse bom dia. Fez o café. Forte e sem açúcar. Eu nunca bebia, mas sempre gostava do cheiro. Gostava de sentir o cheiro do café forte e o cheiro forte do seu corpo suado sobre o meu. Sentir seus olhares de amor, de admiração, de desejo. Nossas conversas eram fluidas, as risadas, soltas. Tudo era intenso. Farto. Tudo era bom. Nossa rotina denunciava muita cumplicidade. Companheirismo, sempre. Tesão, arrebatador. Felicidade, avassaladora.
Três anos, quatro meses, dezenove dias e seis horas de aconchego. Levantei, disse bom dia. Ele respondeu: acabou. Não consegui responder. Fiquei inerte. Emudecida. Respiração sufocada, voz embargada. O coração, sangrando. Acabou? Como assim, acabou? Como acabou? Quando acabou? Por que acabou? Alguém me responda, por favor!! Pra onde foram a cumplicidade, e o companheirismo, e o tesão, e toda a felicidade que sentíamos? Não houve uma resposta sensata. Não houve sequer uma resposta. Estava em absoluto choque e com as lágrimas represadas. Retirei minhas roupas do armário, peguei alguns livros, recolhi meus pedaços e sai sem olhar pra trás.
Foram muitos dias, e semanas e meses sentindo uma dor tão profunda que me corroía a pele, os ossos, o sangue. Chorei, gritei, esperneei. A dor sobrava, mas já não queria conviver com ela. Fui ao fundo do poço, mas escolhi voltar à superfície.
Três anos, um mês, nove dias. Um café extra forte e sem açúcar como ele gostava. Uma barra de chocolate meio amargo, o meu preferido. Enfim uma conversa decente e uma resposta pra tamanha traição. Ela chegou macerada, moída, digerida:
A felicidade que vivíamos era real demais pra mim. Não consegui suportar tanto e tudo. Nosso companheirismo, sempre. Nossa cumplicidade, muita. Nosso tesão, arrebatador. Como viver sem nada se algum dia você decidisse partir? Me doía demais ser tão feliz! Tive medo. Fui covarde. Fui egoísta. Fui desleal. Acabei com a nossa felicidade antes que ela me destruísse. Coragem me faltou para ficar e, continuar te amando e me deixar ser amado e, ainda assim, me sentir livre e seguro. Ser tão feliz, foi demais pra mim. Tive medo. Fui covarde. Acabei com a nossa felicidade antes que algum dia você decidisse partir.