Flavinha era uma menina triste. Tinha cinco anos e possuía o dom inusitado de dar vida aos bichinhos que desenhava. Morava na suíte de um apartamento de luxo na zona sul do Rio de Janeiro. Vivia trancada, proibida de sair. Sua mãe veio a descobrir o seu talento nato quando, um dia, ao adentrar em seu quarto, se deparou com um gatinho que Flavinha tentava esconder sob o cobertor: “Mas como é isso? Por onde entrou esse gato, se eu e seu pai sempre trancamos sua porta e colocamos cadeado em sua janela?” A menina, chorosa, disse que tinha desenhado aquele gato por se sentir muito sozinha. Sua mãe ficou perplexa com a explicação da menina e levou o gatinho até o pátio e o soltou perto do playground, sem o síndico ver, pois era proibida a presença de animais no prédio.
Um belo dia, quando sua mãe levava a comida, tomou um susto grande com a quantidade de borboletas coloridas que voavam de um canto para outro e a mãe, novamente assustada, perguntou por onde tinha entrado tantas borboletas. Flavinha, inocentemente, falou que “elas saíram do meu desenho pra brincar comigo”. A mãe então abriu a janela e com uma vassoura enxotou todas as borboletas. Colocou novamente o cadeado, porém achou tudo muito estranho e contou para o marido que, incrédulo, resolveu indagar a filha, que confirmou tudo.
Foi aí que ele pediu para a menina desenhar uma formiga, para ver o que aconteceria. A formiga ganhou vida e começo a deslizar sobre o caderno. Ele, boquiaberto, não acreditava no que estava vendo e chamou a mulher, mostrando o feito. Os dois ficaram atarantados com o que chamaram de ‘milagre’ realizado por sua filha. A mãe, muito nervosa, achou que deveriam levar a menina ao médico ou à igreja: “Já pensou se ela começa desenhar elefante, cobras, jacaré…?” O pai não concordou. Queria era aproveitar o dom que a filha tinha.
O pai era um empresário do ramo de corretagem e a partir daquele dia, ele muito ganancioso, teve uma ideia e achou que a filha poderia dar vida a outras coisas ou objetos, por exemplo: dinheiro. Trouxe uma nota de cem dólares e pediu para Flavinha desenhar em todas as folhas do seu caderno, uma porção de notas daquela. Tudo em vão. Os desenhos das notas ficaram ali, inertes. O homem, muito aborrecido, pegou o caderno e os lápis de cor da menina, dizendo que ela estava proibida de fazer qualquer outro desenho e, como castigo, rasgou todas as folhas e quebrou os lápis, únicas peças que faziam companhia a Flávia. Dessa vez ela chorou de soluçar. Só parou quando viu que o pai havia deixado cair um lápis de cor azul e um pedaço de folha, que após o homem ter rasgado todo o caderno, caíra embaixo de sua cama.
Sem muito espaço para sua criatividade, Flavinha pegou o pedaço de papel e desenhou um pinto azul. A partir daquele dia, toda vez que sua mãe entrava no seu quarto, com o almoço ou o jantar, ela escondia o pintinho em seu guarda-roupa e pedia para ele ficar calado. Que não desse um pio.
Flavinha era uma menina muito só, começou a achar que aquela superproteção dos pais não era amor, mas um sentimento egoísta de possessão. Quando ia para a escola, era proibida por eles de brincar com seus dois melhores amiguinhos: Clarice e Eduardo, que segundo seus pais, eram de classe social diferente da sua, o que Flavinha nunca chegou a entender. Olhava sempre através do vidro de sua janela as outras crianças brincando no playground e morria de inveja. Era proibida desses momentos lúdicos.
O tempo foi passando e seu pintinho azul, que ela resolvera chamar de Vitingo, nome surgido também de sua imaginação, cresceu e criou enormes asas. Sentia necessidade de voar, mas não podia dentro daquele quarto fechado.
Certa feita, quando a mãe da menina foi levar a comida, ao sair do quarto, esqueceu a chave do cadeado da janela em cima da cama. Flavinha, chamou Vitingo, abriu os vidros e montou em seu dorso. O pinto azul saltou num voo esplêndido rumo ao azul do céu e ali ficaram diluídos para sempre na imensidão.
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