Era daquelas que não parava quieta. Levava as crianças à escola, fazia compras, visitava vizinhos. Tudo pelas redondezas mesmo. Nesse vai e vem de nuvem em dia nublado, levava tombos frequentes. Certa vez ao portão, jogando conversa fora, contava para a vizinha. Contava exatos quinze tombos recentes e com riqueza de detalhes.
As manchas subiam sorridentes pelas pernas e braços, e ela dava de ombros. Acostumava-se à dor e ao ardor recorrentes e achava graça. Somente dizia vitoriosa:
“O diabo tenta me derrubar, mas não consegue me deixar no chão.”
Eu só acho engraçado que… as cataratas que exigem intervenção cirúrgica não são tratadas. Ela não tem paciência para realizar os exames necessários. Tem medo de ir ao médico e despreza toda e qualquer medicação.
É exatamente como a maioria das demais pessoas. Não toma água, não se alimenta bem, não toma remédios quando é necessário e acha que, abaixo do céu e sobre a terra, é senhora absoluta da saúde ideal, mesmo sabendo que a idade avançada já lhe pega pelas mãos e lhe olha nos olhos gritando e exigindo cuidado.
Sabia que é cansativo? Ser o responsável pelo que não é sua responsabilidade cansa qualquer beleza angelical e ungida. O mesmo acontece com qualquer desvio de caráter. A culpa é sempre do diabo. Cansa nada! A verdade é que não consigo não ser irônico. Acho até bom. Ainda bem que a carta que aquele lá escreveu aos das igrejas da Galácia em seu capítulo cinco não faz parte da lista de leitura de muitos.
Eu deixei muitas pessoas tão perdidas que não diferem mais carne e espírito. Eu gosto quando são más, sem empatia, quando se aproveitam até dos títulos que recebem das religiões diversas para agir como bem entendem. De espiritual isso não tem nada. E acho graça também quando falam mal dos pastores. Um título não é garantia de integridade em lugar nenhum em religião nenhuma, e isso também se aplica a quem não carrega estandarte religioso. Cada um dá o que tem e assim, gosto quando atacam aos próximos gratuitamente.
É mais fácil espiritualizar tudo do que cuidar do próprio caráter e isso é divertido. Lembram da história do burro que eu soltei e fez um estrago danado até que as pessoas cometeram crimes por causa do transtorno causado? Pois é. Eu não fiz nada, eu só soltei o burro. Na maioria das vezes é isso. Eu só tenho o trabalho de revelar aquilo que está coberto por um doce e superficial glacê de bondade.
Então as pessoas irão continuar sempre responsabilizando às outras e a mim. Ela irá continuar caindo até que cuide dos olhos, os carnais mesmo, e faça o que é preciso pelo próprio bem-estar. Eu só terei o trabalho de continuar dando risada. Essa é a dor e o deleite de ser quem eu sou. Dou risada. Fico ainda mais bonito e sedutor sorrindo. Eu hein… não tenho nada com isso.
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