O Alquimista

Nesta última quarta-feira, em meio a tanta chuva, foi encontrado, no canto da Rua Treze de Maio, próximo ao número 325, um corpo de um homem que aparentava ter por volta dos sessenta. Em seu rosto notei que florescia um leve ar de sorriso, em uma das mãos uma flor que ainda restava uma pétala, e na outra mão um pensamento em forma de poema que dizia:

O tempo
é o verdadeiro alquimista
por isso
só por isso
que ele vale ouro

Pelas suas feições e forte odor percebia-se que havia tomado todas e que vinha tomando todas há muito tempo… logo apareceram algumas pessoas que o conheciam. Disseram que ele não tinha nem cinquenta anos, que a aparência era pelo alto consumo alcoólico e o abandono que se propunha a viver. Aposentado há pouco tempo por invalidez, todo dinheiro que botava nas mãos logo transformava em álcool (por isso o apelido de alquimista) e quando interpelado por amigos, para conter-se quanto ao consumo desenfreado de bebidas alcoólicas, dizia em tom de escárnio que o governo o pagava para beber e que este era um contrato para o resto de sua vida. Por vezes, quando via os outros reclamando dos preços e dos salários, começava a esbravejar contra o preço da cachaça e o pouco que recebia de aposentadoria, dizia que não dava para beber nem vinte dias. Seu maior hobby, comentou um velho (velho desconhecido), era comprar várias marcas de cachaça, misturá-las com ervas e dar nomes de antigas namoradas. E assim consumia e era consumido por elas.

– Ele sempre contava – lembra o velho – que sua preferida era a Camboinha, pois queimava o peito como uma velha paixão que havia conhecido na Região dos Lagos, há uns trinta anos atrás.

Assim que o carro chegou para recolher o corpo, a chuva voltou a bater em nossos rostos. Talvez para disfarçar algumas lágrimas. Saí dali com um misto de tristeza e agonia e, antes de passar para o papel aquilo que presenciei, fui correndo procurar o grande amor da minha vida, antes que o tempo nos destile.

 

Alcides Eloy é poeta, escritor e co-piloto.

O alquimista foi publicado no fanzine Koisas, em 1995 (acervo: Moduan Matus).