Aquelas pedras eram estranhas, pensava Joseph. Havia uma maior, que ele podia até jurar, mudara de lugar durante na noite passada.
A pequena casa de madeira que ocupara Joseph e o filho durante todo o verão, no seu acabamento, havia uma janela lateral onde o velho gostava de sentar observando a montanha.
Há trinta anos morava ao pé daquela serra, conhecia bem cada palmo dela, seus perigos e seus recantos mais bonitos. Conhecia aquelas pedras e, por conhecer, achava que alguma coisa ultimamente andava errado ali.
O banquinho com os pés de bambus entortava de tanto usá-lo como se fosse cadeira de balanço.
– Pai, quer café? – era Nando, filho único de Joseph, e a paixão do velho. Ele puxa muito dos traços da falecida.
Às vezes, ficava horas olhando filho adormecido e se assombrava com a semelhança do rapaz com a mãe
Sim, quero sim. Não, vem até aqui. Olha, filho, aquelas pedras. Você lembra que a grandona, lá bem à esquerda, antes ficava quase na direção da nossa janela?
Nando franziu a testa achando que o pai não deveria estar bem. Como uma pedra poderia mudar de lugar?
O pai, depois da morte da mãe, andava muito esquisito mesmo, assim, até para não desagradar, colocou-se sob diversos ângulos a observar a tal pedra. Desde bem pequeno brincava muito entre as pedras, na verdade sem observar bem a posição delas, e achava que estavam todas nos mesmos lugares.
Durante toda a semana passou a observar o velho. Sábado chamaria o doutor Jairo para dar uma olhada no pai.
A manhã de sábado chegou com chuva. Nando ajeitou o rapidamente alguma coisa e avisou ao pai que iria sair e que não demorava.
– Vai passar no armazém – perguntou Joseph.
– Vou, sim. Você quer alguma coisa?
– Compra cigarro para mim. Vê se não traz aquele que trouxe da vez passada.
– E se não tiver outro? Naquele dia não tinha.
– Então traz aquela porcaria mesmo – Joseph respondeu contrariado, dirigindo o olhar outra vez na direção das montanhas.
O outono fazia soprar uma brisa leve e as folhas voavam ao sabor do vento. Joseph gostava de ficar ali, olhando e saboreando cada momento. No dia anterior ficara maravilhado, observando um casal de pássaros ensinando o filhote a voar. Ele observou o macho vigiando de longe contra possíveis ataques de inimigos. Chegou até as lágrimas ao ver o carinho da fêmea para com filhote, o que fez lembrar da mulher extremosa que ele teve um dia.
Saiu desse devaneio com barulho da porta. Olhou as pedras. Tinha certeza de que algumas haviam trocado de lugar.
– Pai, olha quem vem visitar.
Joseph viu entrar o médico
– Ô, velho farofeiro, Como tem passado?
– Olha, Jairo, não sei quem te convidou. Eu não fui. Não estou doente. Além do mais, velho farofeiro é a…
– Tá legal, vou embora, mas deixa eu te examinar antes.
– Examinar o que? Já disse que não estou doente.
– Joseph – disse o médico – saí às pressas de do hospital para socorrer você, a pedido de seu filho Nando, e agora não o examino e ainda me ofende?
– 0lha, Jairo, gosto de você, fomos criados juntos, mas repito: não estou doente – gritou Joseph.
– Nando – disse o médico – pega minha maleta. Quando essa cabeça dura resolver se deixar examinar, você me chama.
O médico saiu e Joseph perguntou ao filho:
– Quem mandou você chamar o doutor?
– É lógico, pai. Você agora deu para achar que pedra anda.
A noite deu passagem e as estrelas.
O velho ressonava enquanto Nando, deitado, não conseguindo dormir, levantou e foi à janela. Viu vultos que desciam a montanha. Apertou os olhos.
Eram uns homens e mulheres nuas que brotavam das pedras das quais se transformavam. Sentiu medo e tentou apanhar a espingarda do pai quando a porta foi forçada e a tosca tramela cedeu. Uma delas, que era extremamente bonita, caminhou na direção de Nando, sorrindo cabelos caídos nos ombros e quadris largos. Parou em sua frente, estendeu a mão e, docemente, puxou para si, acariciou-lhe o corpo e, lentamente, teve-o entre as pernas por um grande espaço de tempo.
Nando quis falar, mas a voz fugiu e a garganta e os olhos pesavam. Ele ainda pôde vê-la se afastar. E dormiu profundamente.
Acordou com o pai que o sacodia.
– Nando, venha ver, eu não disse? As pedras desapareceram.
A montanha, naquela manhã mais do que nunca, aparentava a calma de uma criança que acorda.
O conto As pedras foi publicado na revista Equipe, em 1979 (acervo: Moduan Matus).
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