Ainda se despede a madrugada quando ela sai. Pendura no ombro a sacola – sua cruz – o olhar desesperançado busca encontrar o sol, que precisará ser seu reflexo quando entrar em cena.
Vai de ônibus, sim, afinal é operária das privilegiadas. Só anda de passe…
Se confundem o com cenário cinzento, sombrio e poeirento ao sabor das valas, crianças acenando – dá carona moço – velhinhos curvados ao peso das desventuras ou das trouxas de roupa USA da cidade maravilhada… gurias sonhando nos bancos de trás, cabeça encostada na vasilha da marmita que volta para casa de manhã.
Nisso tudo ela se sente rainha, deusa, ninfa sei lá de onde, nas suas calças de brim já surrada – se o chefe reparar… – tênis, camisa, cara, unhas e bocas pintadas às pressas, afinal é uma atriz. E o olhar invejoso da cobradora maltratada a atravessa naquelas 6 horas da manhã.
É hora – rosto tranquilo, alma destroçada, ela chega ao seu destino como se fora uma superstar – muitos aspiram, uns são capazes de se aproximar – estranho porque isso se repete – será o medo do que está por vir na sua mensagem? – outros, sorrindo, lhe abraçam.
Abrem-se as cortinas no palco, é hora de se entregar, é preciso dizer, acordar essa gente que ainda dorme sem ver o sol… céus, tá louca. Nos dias de hoje, pense no seu amanhã.
Sorri para suas crianças de volta ao já surrado contexto:
– Gente, essa é a terra da gente, onde tudo só depende da crença e da vontade da gente para que… que…
Ela para. Observa nas crianças já tão sofridas os sorrisos doloridos, olhares perdidos nas promessas… sente-se inútil, impotente, imbecil… lembra do seu salário tão mínimo diante da doação máxima de si mesma. Até ouvir aquela vozinha:
– Professora, o que é preciso para conseguir ser gente?
Humilde, responde:
– Ainda não sei, baby!
O conto A descoberta ou Descobrimento foi publicado na revista Equipe (acervo: Moduan Matus).
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