ruiva

O ponto geométrico

Ele estava parado no ponto de ônibus esperando sua condução para o trabalho quando, de súbito, foi assaltado por um pensamento que nunca tivera antes. Foi sobre o ponto; mais especificamente, sobre o ponto geométrico. Já estivera naquele lugar antes inúmeras vezes, mas nunca tivera aquele pensamento e, sinceramente, não sabia porque ele lhe tomava a mente.

De qualquer forma, por um motivo que não compreendia e que, no fundo, não fazia muita diferença, ele pôs-se a pensar no ponto geométrico. Na sua forma, que era minúscula e quase imperceptível quando comparada com outras formas como o triângulo, o quadrado, 0 trapézio e tantas outras que enxergava nos transeuntes, mas não aquela na qual pensava, senão pela menina sardenta que passou rápido diante de si com os cabelos muito vermelhos como se fossem uma labareda acesa ante seu rosto pensativo como de alguma estátua de Rodin.
Seus olhos, quiçá, fossem como pontos geométricos, mas, de fato, são mesmo círculos; na verdade, esferas escuras como um sol que se apaga ou um buraco negro que possui um ponto infimamente pequeno, mas que atrai, inexorável, tudo em seu raio o qual os astrônomos chamam de singularidade. É sua alma. Mas, claro, ninguém jamais conseguiu observar tal coisa e apenas supõem os astrônomos que o centro de um buraco negro seja um gigantesco aglomerado de matéria altamente concentrado num único ponto.

Mas, de certo, este ponto, como seus olhos, não são verdadeiramente um ponto como o é um ponto geométrico. Ao contrário, das outras formas e de tudo que podia observar, enquanto esperava seu ônibus lotado para o centro, um ponto não tinha largura, altura ou profundidade; era, na verdade, só um ponto, uma forma que beirava ao insignificante e quase que ao amorfo.

Olhar para um ponto era quase tão interessante quanto olhar para um ponto de ônibus cheio de pessoas, como ele, esperando por uma condução que, no entanto, naquele dia, parecia-lhe mais vazio ou deserto do que o normal apesar de estar ali na mesma hora de sempre, esperando o mesmo ônibus, no mesmo lugar ou ponto. Sim, um ponto era como um lugar despercebido porque não possui nada que atraia a atenção mesmo de alguém que por ali passasse com alguma boa vontade para notar coisas sem qualquer valor.

Porém, o ponto geométrico tem o condão de ser aquele lugar da onde partem as formas. Um triângulo, por exemplo, é ligado por três pontos, uma reta por dois e um quadrado por quatro e assim por diante. Mas, quando se pensa nestas formas, todos as veem, mas ninguém percebe,
propriamente, os pontos. Todos, sejam quantos forem, passam despercebidos e o que é visto ou notado são as formas, e não coisa tão insignificante quanto um ponto como ele.

Enfim, entendeu porque estava pensando num ponto geométrico; aquilo era só uma metáfora, coisa de poetas, que, pequenino, ele não era. Mesmo assim, se indagou em seu íntimo: “será que faço parte de algo maior ou sou apenas um pedrisco perdido no abismo?”
Só despertou destes pensamentos quando alguém lhe perguntou:
– Amigo, você está esperando alguém?

Ao que logo respondeu:
– Não, não, só estou esperando o ônibus mesmo.

O outro, então, emendou:
– Eles estão em greve.

Surpreso, agradeceu ao aviso e pensou: “ao menos alguém reparou em mim. E foi embora.