Aldocleison não gostava de trabalhar. Vivia dizendo que o trabalho era a forma de prostituição mais antiga que existe. Fundou a Igreja da Divina Obrigação Teológica Ampla e Sagrada (IDiOTAS), onde se consagrou como bispo e criou a Ordem das Ovelhinhas do Descarrego, um grupo de moças de até vinte anos que… bem, deixemos as ovelhinhas do descarrego pra lá.
Tinha uma sessão de desobsessão às quintas-feiras que vinha gente do país inteiro. Quem precisasse de um milagre era só depositar a quantia relativa na caixinha. Também tinha o bazar de Jesus, onde o fiel poderia comprar, por um preço simbólico, um pedaço da manta que Jesus usava quando foi crucificado. Nos dois anos que esteve aberto, o bazar vendeu cerca de um quilômetro quadrado da manta de Jesus. Depois, Bispo Aldocleison se envolveu no milagre da multiplicação dos bitcoins e foi preso. Mal foi em cana, uma das Ovelhinhas do Descarrego raspou a conta dos bitcoins e desapareceu. Na cadeia, tentou fundar uma filial dos IDiOTAS, mas na cadeia o buraco é mais embaixo. Não que lá o pessoal não se converta. Na cadeia, o problema é a concorrência. Só da Igreja do Jesus Armado Até os Dentes tinham oito pastores; mais quatro da Igreja dos Traficantes de Jesus e uma centena das outras. Todos inocentes, claro. Era tanto clérigo no presídio de Bangu que criaram uma ala só para eles. Como era bispo, se tornou o xerife da cela que dividia com outros vinte e nove colegas.
Um dia trouxeram um colega de cela, também pastor, que acabara de ser esfaqueado por outro pastor. Quando se abaixou para verificar se poderia ajudar, ouviu umas batidas de atabaque e tudo escureceu. Os colegas de cela é que comentaram o que ocorreu a seguir.
Bispo Aldocleison olhou para os lados e soltou:
– Puta que pariu, quanto sangue!
Colocou a mão sobre o ferimento e prosseguiu:
– Essa racha vai fechar!
Milagrosamente, o sangue estancou e o ferimento fechou, não ficando sequer uma cicatriz. Os pastores que observavam incrédulos ergueram as mãos para o céu e exclamaram em uníssono:
– Milagre!
Pastor Marreta, preso por suspeita de ter cometido mais de uma centena de homicídios contra os fiéis que não pagavam o dízimo, com uso de alguma ferramenta de obra que a polícia ainda não conseguira identificar, exclamou:
– Bispo, o senhor é um homem santo!
– Santo é o caralho! Sou mulher, seu pedaço de merda!
– Mulher?!
Pastor Melquíades, condenado a vinte anos por causa de uma plantaçãozinha nos fundos da paróquia, que antes de se tornar membro da Igreja Hexagonal gostava de frequentar um terreiro de candomblé, reconheceu os sinais:
– Ele está incorporado!
– Puta que pariu! Finalmente um corno entendeu!
– Qual seu nome, espírito obsessor? – indagou Pastor Marreta.
– Obsessor é o olho do seu rabo! Mas pode me chamar de Dercy. Santa Dercy.
Na cela 38, Pavilhão Terceiro Mandamento (aquele do nome de Deus em vão), ninguém aguentava mais os palavrões. Santa Dercy só foi embora depois que os pastores cantaram um ponto pra ela subir.
Gostei demais!!! Parabéns, camarada.
Obrigado, amigo.