Minha primeira esposa era um amor de pessoa… Nos primeiros anos de casamento. Depois começou a encher o meu saco e acabou morrendo. Bebeu veneno! Mas isso é outra história…
A segunda esposa ainda está sendo um amor. Começamos a namorar quando nos encontramos em um aplicativo de namoro. Divorciada, eu também. Um filho, e eu, uma filha; mais ou menos na mesma idade. Bebia socialmente, eu também; com alguns exageros casuais, mas sem incômodos.
Marcamos um churrasco para apresentar a família, inclusive os “exes-”. Tudo normal, aparentemente. Fui apresentado à mãe dela. Dona Felíssima! Tinha sofrido um acidente (não explicaram direito). Estava usando aqueles óculos que tem uma das lentes brancas, igual a do “É mentira, Terta?” Não me deu muita trela, e nem eu pra ela. E assim transcorreu o churrasco, sem maiores destaques!
Uma semana depois, a esposa me acorda, apressada:
– Levanta, amor… É hoje!… É o dia em que a mamãe virá pra casa de olho novo!
-Ahn?!
E lá fomos nós. Família reunida. Churrasco, cerveja… O ex- dela… (não chamei a minha!) E, como uma noiva… Ou “like a virgin”… Trazem a minha algoz! (Calma, eu explico em seguida). Dona Felíssima… Felicíssima da vida. Um pequeno séquito à sua volta e ela abanando a mão para os vizinhos e parentes que se amontoaram próximos ao carro que a trouxera do laboratório… da NASA, eu imaginei! Alguns a amparavam e ela, rude, colocando as manguinhas de fora:
– Eu sei me cuidar! Eu estou vendo tudo! – Falou isso me encarando.
Durante a festa, o comentário foi de que havia sofrido um acidente, de carro, em que marido partiu dessa… para uma melhor, eu tenho certeza. E vocês também terão, após eu contar os fatos! Ele foi-se e ela perdeu um dos olhos. Agora ressurgia feito um deusa. Melhor que Odin!
– É o que há de melhor, amor… Ela pode ver, mesmo… E tem até sistema de wi-fi…
E tinha mesmo! Já estavam providenciando uma smart TV que sintonizaram no olho da “bicha”. Logo, estávamos assistindo a tudo o que ela via. E podia fazer aproximação. Deu zoom nos predicados de dois de seus genros, que cobriram logo suas partes.
– Esses troços não fazem nada? Cadê os meus netos? – Inquiriu.
Bom, e aí alguém sugeriu desligar a TV, pois estava ficando constrangedor o que ela “via”:
– Fecha as pernas, Raquel!
– Mas, tu come, hein, Armando!
– Tá com carrapato no saco, Francisco?
– Tira os olhos da minha neta, Haroldo, velho tarado.
A casa da ciborgue estava em reformas. E então foi feito um sorteio. Macabro! Cada família tirou um número e, pela ordem, essa amaldiçoada família teria que ficar duas semanas com a “voyeur”. Fomos os terceiros, mas como chegou depressa!
Em casa, foi um susto atrás do outro. Estávamos assistindo a um filme e, de súbito, parecia o “olhar” da velha no banheiro. Um terror! Ou então ela gritando:
– Onde diabos enfiei o meu olho?… Rápido, olhem na TV e vejam o que “ele” está olhando!
E ligávamos a TV pra descobrir… Igual ao Gugu Em Sua Casa… Ouvíamos a sineta e tínhamos que achar… No caso, aquele olho! Adivinhar o que a porcaria do olho estava vendo… Para então descobrir onde o mesmo estava socado: Dentro de um copo com soro; em cima da geladeira; no guarda-roupa… E até no criado-mudo do nosso quarto!
– Eu vi o que vocês fizeram ontem… O finado nunca fez aquilo comigo! Aquilo que é o tal do meia nove, é?
Uma noite, estressado, fui para varanda apertar um baseado… Antigamente fumava muito… Agora só para aliviar. Tô bem eu ali, fumando e filtrando, quando olho para uma velha máquina de costura, encostada, que tinha sido de minha mãe. O que vejo? Aquele olho filha da puta me encarando! Mal eu o percebi, abriu-se a porta atrás de mim… E a velha, tapando o buraco na cara, diz:
– Nem convida, hein, malandro?
– Não sabia que a senhora… – Tentei explicar.
– Tu não sabia… Mas eu sei de tudo!… Sei do caso da tua outra mulher… Vi tu escondendo as provas, fui lá e peguei… Aquilo é cianeto, é? Nem vem que não adianta!… Ó, e eles estão chegando!
Três carros da polícia encostaram. Peguei quinze anos por ser primário. Tenho certeza que vou sair por bom comportamento.
Bom… Aí vou matar essa velha!
Ah, coloquei uma gotinha, só de Carolina Reaper, a pimenta mais ardida do mundo, no seu soro de olho.
Muito legal.. Realmente para o olho da dona Felicíssima, a solução é colírio de ácido sulfúrico. Parabéns pelo Conto.