Minha sogra mora em Joinville. Nos vemos uma vez por ano ou menos. Soube pelo Instagram que ela estava fazendo aulas de artesanato. Um dia chega na minha casa um prato de louça pintado. No outro, um pano de prato decorado. Não vou julgar os dotes artísticos dela, mas é fato que nada me atrai menos que desenhos de flores e frutas em utensílios de cozinha como os que ela pintava.
Até que num belo dia, em visita ao Rio, minha sogra nos traz de presente um quadro. Não era um quadrinho qualquer. Era um bitelo de quase dois metros por dois metros. Já fiquei com os dois pés atrás antes mesmo de desembalar a peça. Será que ela pensa que eu moro no museu do Louvre? Minha esposa ficou toda feliz e foi logo desembalando. Era um baita retrato da minha sogra pintado pela própria! Que tipo de pessoa, além da minha sogra, pinta um auto retrato pra dar de presente?
Minha esposa agradeceu e logo quando minha sogra foi embora, pediu pra pendurar aquela Monalisa Barriga Verde na parede:
– Coloca aqui nessa parede da sala.
– Na sala, amor? As pessoas que entrarem na casa vão dar de cara com ela.
Meus protestos foram em vão e lá estava eu colocando o quadro na parede. Não demorou muito para eu perceber os problemas que aquele terror sobre tela ia nos causar. A sala da minha casa é grande. É o centro da casa. É maior do que dois quartos juntos. Antes eu passava tranquilamente do banheiro pro quarto pelado. Como ia passar agora com minha sogra me olhando? Até aquela pegação, que começava na sala e terminava no quarto esfriou, agora que aquele olho de sogra me fitava do momento que eu entrava na sala até a hora de dormir. Sabe aquele autocarinho, aquele autoamor despretensioso na sala? Agora nem pensar! Tinha que dar um jeito de me livrar daquele maldito olho de sogra a me vigiar.
Como o quadro ficava em cima da mesa de jantar, que era próxima da parede, pouco a pouco eu fui bolando um meio de afastar aquela aquarela de seca pimenteira de casa. Cuidei de abrir panelas fumegantes bem debaixo do quadro, manter a janela bem aberta, pra que entrasse sol e vento na sala. Pra ter um álibi, fui fazendo perguntas pra que minha esposa jogasse a culpa na pintura e não em mim.
– Amor, sabe se a sua mãe passou verniz nessa tela? É tinta a óleo? Será que ela usou óleo de linhaça pra não rachar?
Acabei me afeiçoando ao quadro. Mesmo sozinho em casa, cumprimentava a imagem, oferecia café, comentava o resultado do futebol. Aos poucos, a pintura que não foi feita por nenhuma Tarsila do Amaral foi derretendo, sem que a minha esposa desconfiasse. O olhinho parecia o do Cerveró, a mãozinha parecia atrofiada e o sorriso se transformou na boquinha de quem chupou limão. Até que um dia…
– Amor, acho que o quadro da mamãe tá se desfazendo.
– Hum, é mesmo. Não tinha percebido.
– É uma pena. Acho que vou tirar daqui pra não estragar de vez.
E assim aquele Romero Britto de satanás foi empacotado e guardado no cantinho do quarto da bagunça. Aos poucos o clima de paz foi voltando à casa, onde já se podia andar pelado e o amor do casal não tinha testemunhas indesejadas.
Dia desses, toca o telefone:
Oi, meu genro. Tô indo pro Rio passar uma semana. Posso ficar na sua casa?
Não é possível que Deus me livrou da imagem, mas ia trazer a criatura em pessoa. Apenas respondi:
– Pode, minha sogra. Vou preparar o quartinho pra você.
Contei para minha esposa, que ficou feliz. Parece que esqueceu do quadro deformado e escondido dos olhos das visitas. Casa arrumada, minha sogra chega e nem pergunta pelo quadro. Como ela não tinha visto o quadro colocado na sala, também não deu falta. Até que num almoço ela pergunta:
– Filha, onde você colocou o quadro que eu te dei?
– Coloquei na sala. Mas ele foi derretendo e acabei guardando lá dentro.
– Vou pintar outro pra você.
No que eu interrompi correndo:
– Minha sogra, você pinta paisagens tão bem…
Nada como ter uma sogra artista. Muito engraçado e legal o Conto. Parabéns.
Obrigado, poeta!