Flores eternas

Estava aguando as flores de plástico do nosso jardim imaginário, presumidamente suspenso e longe de nossos limites corpóreos, mas, também, tão perto de nossos corações – quase ao alcance de nossos semblantes nostálgicos. Estávamos intrinsecamente ligadas. Eu em você e você em mim! Deitadas em nossa cama ancestral, mudas e perplexas, emitindo sons de esgares profundos. E são esses nossos clamores, soluços tão intimamente sonoros e lamurientos – há tanto tempo contidos. Então, é possível que, aos ouvidos de algum anjo bom, habitante dessas odes celestiais tão vastas, haverá de comover esse nosso pranto estéril – sem lágrimas… Vertidos em tempos e espaços… Algo como o sopro de vida de um bebê!

Quem sabe amanhã façamos uma trilha alternativa… Sim! Uma daquelas do tipo conceito espírito-existencial, que como nunca antes haveremos de voltar a trilhar. Quem sabe, fumemos um daqueles seus cigarros esotéricos… Sirva-me um drinque borbulhante de chá ayahuasca: busquemos os céus! Hoje, fez tanto tempo que não a percebo lúcida, sedutora, jovial, de puro amor livre e jeans surrados, seus all-stars bicolores, no seu velho estilo underground, sempre a cantarolar blues, a ritmar-se pela plena entrega irracional dos sentidos. Sexo frenético e descuidado… Somente a natureza bruta como testemunha.

Já ultrapassadas as fases dos humores alterados e dos enjoos, vieram-me as drásticas soluções abortivas… Talvez tenha sido esse seu não me querer o motivador de suas escolhas profissionais – geneticista, e, ironicamente, como castigo pra nós duas, a sua infertilidade eterna – ter de passar o resto de sua vida cuidando do nascimento de centenas de crianças, amadrinhando-as como se fossem suas crias, querendo, com isso, bem sei, purgar os seus pecados? Recriar, sempre, num universo alternativo pra nós – assim, renasço e morro continuamente em cada nova vida em suas mãos e em seus devaneios! Pois só existo enquanto você existir! O seu erro, mãe, foi não ter me tido.

Outrora a pressenti chegando d’alhures em nosso lar, com o seu bailar ébrio e blueseiro. Chegando-se arfante, com o coração a mil, descompassada e… Tão distante! Joga-se inteira ao léu – tudo e toda ao léu: as chaves, a bolsa de grife, as botas com os saltos agulha, os documentos, as vestes e… a carcaça – transitando fantasma pelo meu olhar, atravessando os cômodos e derrubando coisas – aqueles bibelôs insensíveis ao nosso martírio continuam sorrindo mesmo despedaçados. Observo-a e há tanto tempo! Esses seus incógnitos trejeitos bipolares, seus medos e tiques mercenários, seus duplos e intrínsecos nós! Estou aqui, inerme, porém, sendo hábil tecelã de tempos e espaços. Embora, ainda inexperiente no trato com sonhos, vou tecendo esta nossa imponderável colcha de retalhos, semelhantes às tramas do tecido flexível de nossas peles, e, ao mesmo tempo, impermeável como o látex de sua calça legging negra, solitariamente esvoaçante no varal. Presentemente, sigo volátil a desfiar este intricado emaranhado de fios gosmentos e pegajosos, trançados como numa teia de aço – eles não se rompem tão facilmente!

Agora, sorva os meus pensamentos. Somente você poderá… Somente você! Sempre hei de procurar desculpas pra não reconhecer o seu erro. Por isso, peco ao escolher o estreito caminho que separa as nossas próprias escolhas para poder lhe ofertar o meu coração transplantado do seu próprio peito a palpitar por mim.

Antes que seja tarde, dê-me à luz, mãe! Anseio seu colo! Amo esse seu descuidar-se, esse seu exagerado senso crítico sobre as coisas vãs… Então, me refiz no seu jardim de ilusões. A minha próxima existência, desde antes mesmo da minha concepção, já previa que o meu passado será tão incógnito quanto o presente, aquilo que presentemente ainda hei de ser: o seu espectro…

Há tanto tempo sonhei com esses tempos futuros, habitando uma terra além do mapa! E foi exatamente por esse sonho que me fiz por inteira em meu pensamento projetando-me no seu, pois assim me desfaço em seus devaneios, já que venho adiando o meu partir das sombras. Então, este partir não é o mesmo que sair!? Será, na verdade, o ficar?! Ao final, tudo é uma questão de prover escolhas. Serão mesmo minhas estas verdades que tanto prezo? Por isso, vou me adiando indefinidamente… Nunca chegarei inteira a nada se não for por você! Nunca me adiantarei à minha própria sombra, essa perseguidora implacável, por ser eu um fantasma também, ao menos, até que me tenha pronta, amor de minha vida, faça-me verdadeira!