Final de semana, sol forte, pouco dinheiro, Caio, sem programa, vê a praia como uma alternativa barata, pois pode só gastar duas passagens, andar a pé até a estação ferroviária e pagar uma passagem de trem ou nem isso. Pode pular e guardar o dinheiro da água e assim foi feito. Com vinte anos tudo vale, e assim se fez.
Ao chegar na Central, ele olha aquele sol escaldante e resolve dar um calote e assim foi feito: ônibus lotado, o calote foi fácil. Entre mergulhos e caixotes, água salgada, tudo correndo como manda o figurino. Entre idas e vindas na areia, Caio conhece Hasta, morena bonita, olhos castanhos, que se encanta com o pobretão da Baixada. Ela, muito solícita, oferece água, prontamente aceita por ele. Papo vai, papo vem, não demoram muito e já estavam dividindo o fone de ouvido. Apaixonado por música, o boa pinta logo conquista a morena. Sem entender muito, pois ele nunca foi um bom conquistador, mas estava gostando da situação. Papo vai, papo vem e ele sem saber o que falar, pois está sem um puto no bolso. Hasta levanta e diz:
– Vou dar um mergulho. Olha minhas coisas? Quando eu voltar, você vai. E assim foi feito.
– Pode ir – disse a morena.
Caio mergulhou, bebeu meio litro de água salgada e no mergulho achou uma coisa. Olhou, olhou. Parecia ser uma garrafa, mas era uma lâmpada daquela de gênio. O pobretão, cabreiro, falou:
– Vou esfregar essa porra aqui não. Vai que o gênio não gosta de água.
Foi para trás das pedras e esfregou as mãos no utensílio. Blum, Blum! Lá estava o gênio, que foi logo falando:
– Você só tem dois pedidos.
– Só dois? Todos os gênios dão três – disse Caio.
– Um para você realizar agora, outro para você voltar para casa e outro só quando você morrer. Isso se você quiser ir para o céu. Se não, faça os três e você vai para o inferno. Topa? – pergunta o gênio.
– Não, não. Só dois mesmo – disse Caio.
Pensativo, o jovem achou que, naquele momento, visitar o céu era uma boa pedida, pois ficaria sabendo se valeria a pena o pós morte.
– Gênio, eu quero ir para o céu mas, olha só, quero um lugar de gente feliz, com música, de preferência.
Assim foi feita a vontade do jovem, que chega no céu pensando ser uma tarefa fácil. Olha para um lado, olha para o outro, casas de um lado e do outro. Um silêncio de fazer inveja a um mosteiro, mas o jovem resolve mudar de estratégia ao perceber que todas as casas tinham as portas fechadas. Resolveu bater palmas em algumas e, para sua surpresa, todas tinham nomes. Na casa da Bossa Nova ele bate palmas e lá vem Vinícius de Moraes com uma garrafa de uísque doze anos. Ao seu lado, Tom Jobim, João Gilberto, Ronaldo Bôscoli, Miúcha… Pergunta Vinícius:
– E toca algum instrumento, companheiro?
O jovem sem graça responde:
– Não.
– Então não é bem-vindo – disse Vinícius.
– Talvez a Jovem Guarda me receba melhor.
Bate na porta, aparece Erasmo Carlos acompanhado Jerry Adriani e Ronnie Von. Muito puto porque não queria estar ali, Erasmo pergunta:
-Você é músico, moleque?
O jovem atordoado fala:
– Não!
– Então, mete o pé.
Muito triste, Caio tenta uma coisa.
– Quem sabe com uns artistas mais novos? Bate na porta da MPB. É recebido pela Rita Lee, muito tonta (não sei por quê):
– O que você quer?
– Ué, você não é do rock?
– A casa do rock é muito longe e acabei de chegar. Vou ficar por aqui. Vou esperar alguém pra não ir sozinha.
Nesse instante chegam Gonzaguinha, Belchior e Wander Lee, acompanhados de Marília Mendonça, pois sua casa ainda estava em construção. Pareciam todos felizes, mas era só a minha presença se fazer notada que tudo mudava. Que saco, o céu não é tão bom assim, mas ainda tinha uma outra opção: a casa do samba. Nunca fui muito fã, mas tudo é melhor que ficar aqui fora sozinho. Vou arriscar. Nem precisava bater palmas. Música alta, fiquei feliz. Pelo menos não fui barrado, nem interrogado. É, no samba é assim. Mas não demora muito chega Jovelina Pérola Negra com o microfone na mão:
– E aí, manda uma letra.
Sem saber o que fazer, fiquei olhando para o nada. Chega Beth Carvalho de mãos dadas com Jamelão, que diz:
– Sai batido, menor! Aqui não é sua praça.
É nessa hora que penso:
– Cadê o gênio? Quero ir embora!
Sentado na porta, fazendo sei lá o que, estava um gordão. Cara feia, não falando coisa com coisa, pescoço cheio de missangas, contas, tudo misturado. Perguntei:
– Quem é você?
Resmungou, resmungou. Não entendi nada, mas insisti:
– Por que não entra?
Uma voz bem suave falou no meu ouvido:
– Ainda não chegou a vez dele.
Aproveitei aquela voz e perguntei:
– Como faço pra ir embora?
– Você já visitou todas as casas? – Dizia a voz suave.
– Sim, quero ir embora.
– Ainda tem a última casa – Dizia a voz que me acompanhava. Ao chegar na casa, ele pergunta:
– Quem são essas pessoas?
– Esse é Carlos Drummond de Andrade, aquela na ponta é Cecília Meireles e aquele do meio é Machado de Assis. Todos escritores. Talvez possam te ajudar. Caio, pensativo, vai até a cadeira de Carlos Drummond de Andrade e fala:
– Preciso de ajuda. Todo lugar que chego não me deixam entrar.
Drummond olha seu semblante e diz:
– A dor é inevitável, o sofrimento é opcional.
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