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Observatórios

O Observatórios era um grupo de vinicultores que se reunia mensalmente para uma degustação de seus melhores vinhos. Além de ser uma confraternização muito animada, sempre bastante regada pelo néctar de Baco, o evento também possuía um outro aspecto: a dinâmica do jogo. Cada participante colocava de seu vinho em uma das taças coloridas, sem que os outros vissem. Em seguida, todas as taças eram “vestidas” com capas opacas, de modo que não era mais possível ver a cor de cada uma. Depois de trocados aleatoriamente os lugares das taças, cada uma recebia um número de acordo sua posição final na sequência. Ao final, era escolhido o melhor vinho, sem que se soubesse quem era o seu produtor. Naquele mês de abril, havia doze taças numeradas.

Dessa vez, a celebração começou com algum atraso, muito embora Mariana Brilhante e Jack Bidu, os anfitriões da vez, tivessem organizado tudo com muito esmero e antecedência. O motivo da demora foi a comitiva de Ed Maycon, também conhecido como Cordinha, pois todos se amarravam na dele. Ed pediu ao motorista para buscar, em sua limusine, Marlos Mentes, André Pullmann e o Dr. Alfayate Cinzano. Afinal de contas, assim chegariam todos juntos à bucólica cidade de Stanford Violeta, sede do encontro. Acontece que os palpites de Cordinha e os recursos tecnológicos de Mentes, reiteradamente, levavam informações contraditórias ao pobre do condutor, que acabou entrando em dois acessos equivocados e alongando o percurso em cerca de meia hora.  Ao cabo desse tempo, afinal, os quatro retardatários conseguiram chegar.

Assim que adentraram o salão, Mariana foi recebê-los com seu sorriso de diamante. Todo simpatia, Juiz Mandina também veio abraçar os amigos de longa data. Dessa vez, estava sem sua inseparável companheira, Magali, que se encontrava gripada. Mandina, aliás, era um produtor de vinhos já consagrado na região, até tinha acabado de ser escolhido como o homenageado da FLIVI – Festival Local e Internacional de Vinicultores, que reunia os melhores produtores da localidade e sempre trazia algum convidado de outro país. Dentre os laureados anteriores, havia um seleto rol de verdadeiros artistas do líquido dionisíaco: Edmar “Modo One” Marcus, o primeiro homenageado, junto com Miriam Garbosa. Depois deles, vieram o saudoso Rota Jodrigues, a inigualável Lil Sis e, neste ano, ao lado de Juiz, a vanguardista Ivete Lamin, todos merecidamente reconhecidos entre seus pares.

Voltando ao recinto do Observatórios, além de Jack, Mariana, Mandina e do quarteto atrasado, muitos outros já se encontravam no local: Marlene Espanha, cujo vinho era capaz de fazer aflorar os mais profundos sentimentos; Jacquant Almoc Dizi, com sua bebida leve, que colocava o sorriso no rosto de todos que a provavam; Berenice Geadas, sempre didática na forma de explicar como obtinha suas melhores safras; Clara Pinheiro, com suas técnicas surpreendentes para deixar o sabor do fruto sempre vivo; Otoniel Leitosa, o Sossó, pois só ele conseguia produzir vinhos de tamanha qualidade em toda a cercania de Montanha Obtusa; e, é claro, o precursor João Natã Marighella, aquele que junto com Iago Albuquerques, havia dado o pontapé inicial no Observatórios, com seus encontros tão especiais e peculiares. Iago, porém, não frequentava o Observatórios já há algum tempo, havia partido em um longo cruzeiro a convite do Marinheiro Jorge Mário Caramujo, outro talentoso produtor de vinhos daquele grupo.

Nem todos no local já eram conhecidos dos demais. Walter Montes, por exemplo, era uma das promissoras estreias da noite. Por outro lado, Marco Granfino já era bem famoso entre os presentes. Contudo, dessa vez não havia engarrafado nada para levar, estava ali apenas como sommelier. 

Entre os produtores anônimos e os já conhecidos do coletivo, foram iniciadas as degustações. Porém, um fato chamou a atenção: onze vinicultores tinham trazido suas garrafas, mas havia doze taças, ou seja, havia uma bebida penetra em meio àquelas que deveriam existir. Ora, a regra era bastante clara: somente uma taça de vinho, de uma safra própria, deveria ser trazida por cada um. Após alguns instantes de silêncio constrangedor e uma troca de olhares inquisidores, a seriedade do ambiente se desfez. Mandina, abriu um sorriso sincero e admitiu que sua produção havia dado coelho: ao invés de apenas um, trouxe dois dos seus melhores vinhos. No final das contas, ninguém o repreendeu. O Juiz estava acima da lei.