Pendurado

O suor nas palmas das mãos deixava a barra do andaime escorregadio. Tentou ignorar a dor na planta dos pés, mas não conseguiu. Moveu-se com cuidado, mudando a posição do apoio. Enquanto tudo isso acontecia, sua mente repetia coisas como “amigo é pra essas coisas”, “uma mão lava a outra”, “quem tem um amigo tem um tesouro”.

Moreira, seu amigo de longa data, montou o andaime, e ele, o menos pesado e mais “safo”, subiu. O chão era irregular, tiveram que colocar pedaços de madeira como calço. Naquela confusão toda, um dos calços saiu e a estrutura balançava.

A esposa de Moreira cismou que precisavam verificar as telhas antigas da parte de trás da casa e descobrir se uma reforma era necessária. O medo dela era que, durante uma ventania mais forte, uma das telhas antigas se soltasse e caísse na cabeça de alguém.

Moreira tinha sumido. Provavelmente estava abrigado dentro de casa. Talvez estivesse pedindo ajuda. Moreira demorou a correr quando o cachorro apareceu. Era um cachorro grande, uma cruza de fila com labrador.

O bicho correu para cima de Moreira, com ganidos roucos e babando. De lá de cima, ele viu que aquilo não era baba. Era espuma. Chegou a gritar “cão danado!”, mas o bicho já tinha atacado. O outro correu e sumiu, mas o cão não. Cambaleando pra lá e pra cá, farejando, esfregando o focinho no chão, dando mordidas no ar e olhando para cima, o animal esperava ele descer.

Ele olhou em volta, sentindo as pernas tremerem mais e mais. O cachorro ficou em pé nas duas patas e se apoiou na base do andaime. Mesmo sabendo que o bicho não conseguiria subir, ver aquilo foi demais para ele. Pensou seriamente em se jogar dali de cima e acabar com tudo. Respirou fundo e teve outra ideia. Uma menos suicida.

Esticou-se um pouco, soltou uma das mãos e tocou uma telha. Iria arrancá-la e usar como artilharia. Duas ou três “tecadas” afastariam aquele monstro dali. A mão segurou um pedaço da telha. Puxou uma vez e a telha continuou presa. Firmou mais os pés e puxou com mais força. A telha saiu inteira na sua mão. O movimento brusco também comprometeu o apoio do andaime. Ele sentiu a estrutura se inclinando. Soltou a telha, que foi cair no chão. No último segundo, conseguiu segurar o beiral, mas sentia que a estrutura estava condenada. Era questão de tempo.

Escutou a sirene do carro da polícia soando apenas uma vez. Era como um aviso. A cavalaria estava chegando. Olhou na direção do portão, lembrando pela primeira vez de gritar por socorro. Gritou três vezes e viu dois homens de uniforme cinza se aproximando. Um deles retirou a arma do coldre. Eles não olhavam o cachorro, olhavam para ele.

– Pode descer daí, vagabundo! Desce ou vai tomar! – gritou um dos policiais.

O cachorro avançou na direção dos policiais como uma flecha. Uma flecha envenenada. Ele fechou os olhos e, pela primeira vez naquela manhã, torceu pelo cachorro.