João Lucas era o típico garoto que fazia sucesso na escola: bonito e descolado. Isso lá pelos idos anos noventa, quando ainda era descolado usar o termo descolado. Toda vez que esquecia o lanche e estava sem dinheiro para comprar na cantina do colégio, não tinha dificuldade de arrumar uma graninha. Era só pedir, principalmente para as meninas mais tímidas, geralmente as “invisíveis”, que ficavam felizes por serem notadas pelo galã do pedaço. É claro que elas nunca cobravam o “empréstimo” e ele também não se preocupava em pagar.
Falando em galã, não eram poucos que diziam que aquele rapaz, bonito e extrovertido daquele jeito, poderia facilmente fazer sucesso na televisão ou mesmo no cinema e Luquinhas (como os amigos o chamavam) logo começou a acreditar no que os outros diziam, como se fosse uma profecia que precisava ser realizada.
Começou no cursinho de teatro da escola e logo estava frequentando o principal curso de atores da cidade. Adotou o nome artístico de John Lucky, que era pra dar sorte… mas não deu muita não. No decorrer dos anos, só arrumou alguns papéis em peças infantis, mas nada na TV, o que dirá no cinema.
Quando foi contratado para fazer um comercial, ficou paradoxalmente triste. Seu lindo cabelo liso teve que ser cortado e ficou todo arrepiado, para ficar parecendo um astro do punk-rock. Isso tudo por menos de quinze segundos de tela. E o pior, tinha que manter a juba espetada pelo prazo de seis meses, pois poderiam ser necessárias novas sessões de fotos ou até mesmo a gravação de uma sequência da propaganda de margarina. Aceitou sem pensar, até porque estava precisando muito do dinheiro. Os tempos eram outros e as colegas generosas da escola não estavam mais ali para socorrê-lo.
Pela primeira vez na vida foi reconhecido na rua. Uma menininha, toda sardenta e sorridente, de uns seis ou sete anos, não se cansava de apontar para ele e mostrar pro pai aquele homem de cabelo esquisito do anúncio. João Lucas mandou a criancinha não encher o saco, ato evidentemente equivocado, que lhe rendeu um potente soco desferido pelo musculoso e chateado genitor. Naquele dia, tomou duas decisões: ser mais paciente com futuros fãs e cortar aquele cabelo ridículo. A quebra de contrato lhe rendeu uma absoluta geladeira no mercado publicitário: nunca mais arrumou outra propaganda pra fazer.
Após algumas primaveras, até mesmo as peças infantis ficaram menos frequentes e resolveu esquecer por um bom tempo aquela coisa de atuação. Começou, então, a fazer um pouco de tudo: vendedor, garçom, bancário e até mesmo representante comercial de produtos farmacêuticos.
Um dia, porém, a sorte de John Lucky mudou de vez. Luana, uma adolescente bastante famosa nas redes sociais, convidou João Lucas para participar de sua websérie no Youtube. Ela não tinha talento, mas tinha muito dinheiro para bancar a produção e centenas de milhares de seguidores para dar audiência. Quando criança, a influenciadora digital sempre assistia as peças infantis em que ele tinha atuado e precisava de alguém mais velho para interpretar seu pai. Fuçou nas redes sociais até encontrá-lo. Enfim, tinha uma admiradora. Ainda por cima, para um ator desconhecido como ele, o cachê era até bastante atraente. Topou na hora!
Assim que os primeiros episódios foram ao ar, o retorno do público nas ruas foi imediato. Dezenas de jovens o abordavam, todos os dias, pedindo para tirar uma selfie. Sua página no Instagram, que tinha cento e dezessete seguidores, logo superou a casa dos milhares e o novo astro passou a ser frequentemente marcado em centenas de fotos com seus novos fãs.
Após um mês de estreia do novo trabalho, João Lucas se via em meio a uma pequena multidão, que o espremia por todos os lados, quando estranhou um pedido de autógrafo. Uma mulher estendeu um papel para ele assinar. Nas últimas semanas de sucesso repentino jamais havia dado um autógrafo sequer. Além disso, a figura que o abordou chamou sua atenção. Ela era elegante e da sua própria faixa etária, pelo menos uns trinta anos acima da média de idade das pessoas que costumavam reconhecê-lo. Toda essa reflexão não durou mais que trinta segundos, após os quais colocou logo sua assinatura naquela folha. Enfim, cada louca, ou louco, com sua mania e ele só queria mesmo se desvencilhar daquele grupo para chegar à consulta do oftalmologista, pois já estava atrasado.
Algumas semanas depois, quando estava saindo de casa para a gravação do novo episódio da websérie, toca o interfone. Era Raimundo, o porteiro, avisando que tinha um Oficial de Justiça ali no prédio e precisava lhe para entregar um documento. John já iria descer mesmo, então encontrou o homem da Lei lá embaixo, na portaria. Recebeu uma citação, era uma ação de cobrança. Seguiu para seu compromisso profissional e resolveu que iria tomar pé da situação mais tarde.
Após uma cansativa rotina de gravações, chegou em casa. Abriu o notebook, colocou o número do processo no site do Tribunal de Justiça. Como a ação era eletrônica, conseguiu visualizar os documentos. Havia um termo de confissão de dívida. A assinatura era sua, mas tinha certeza de que não havia confessado nada! Na página seguinte, o documento de identidade da autora da demanda. O retrato não era tão recente, mas tinha a nítida impressão que pertencia à mulher de sua faixa etária que o abordara na rua. Quando leu o nome da parte, tomou um susto: Paula Soares de Oliveira. Não podia ser, aquele era o nome da Paula Palito, uma de suas maiores fornecedoras de lanches da época do colégio. Aquele papel estendido nunca foi o pedido de uma fã. Na verdade, tratava-se apenas de um acerto de contas.
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