abacateiro

A mulher dos abacates

Há uma feirinha próximo de casa, que adoro frequentar… Arrematar a xepa! Não só preço é bem mais em conta, como a fila é bem menor… Ah, a fila… Odeio até o nome… Já brasileiro adora… Viu uma fila, entra. Entra e depois pergunta:
– Pra que é essa fila?
– Pra doar rim!…
– Ops! Entrei na fila errada!… Pensei que fosse a fila da “cesta básica” vendida depois que o “caminhão virou”.

Mas, brasileiro gosta tanto de fila que até o cão brasileiro tem nome de quê? Zé? Bozo? Lulalelé? Não! Foi batizado de Fila!

Bom, mas voltando à feira. Gosto de ir, sempre… Ela é montada às quintas!… Era época de abacates e adoro essa fruta “carnuda”. O abacate é nutritivo, versátil e combina com pratos doces e salgados. É também uma das frutas mais calóricas, com teor de gordura acentuado. Sem falar sobre a lenda que alguns homens contam que o abacate faz o nariz sangrar e dizem teme-lo e só apreciarem quando pretendem sair com alguma jovem moçoila.

E ali estou eu, na feira, escolhendo algumas frutas, verduras e hortaliças… Gosto de berinjelas… Sem conotações, por favor… Adoro, mesmo! Berinjela recheada; berinjela refogada com azeite… E por aí vai… Ah, sempre compro tomate cereja… Gosto de tê-los na geladeira. E o homem da feira apregoou, gritando, eles sempre gritam:
– Olha o abacate, minha gente, regula a circulação e aumenta o tesão… Brigou com a namorada? Ou vai sair com o seu novo macho? Leva abacate, mano, que não vais ficar por baixo!

Ei!… Parem de pensar besteiras!… Não é por isso que gosto de abacate, não… Adoro, mesmo!… Por exemplo, também gosto de jaca… E
não sou nenhuma vaca! Depois que o homem falou, fiquei até com vergonha de pegar algumas das frutas, que estavam enormes, fresquinhas e verdinhas… Mas, estava em frente à gondola e apalpando uma delas… Quase larguei, mas, eis que se aproxima uma senhora e fala:
– Eu compro de um tudo aqui, é bem fresquinho, mas não levo abacate… Lá em casa tem dois pés, cheinhos… Tá até fazendo lama!

Discretamente, baixei o fruto tarado que tinhas em minha mão e puxei assunto:
– A senhora vende?
– Vendo nada, eu dou… Dou muito!… Mas, nessa época, dou muito mas não acaba!

Sério que, diante dessas palavras, pensei no que o apregoador falara e olhei a velha de cima embaixo, ou vice-versa, não lembro!… Conclusão: eu passava… Passava pra outro! Bom, mas se estava fazendo lama, não custava pedir alguns… Antes que eu perguntasse, como que  adivinhando os meu pensamentos:
– Se o senhor quiser, pode passar lá em casa e pegar alguns!

No dia seguinte, ao café, ouvi uma notícia que me chamou a atenção. Andava atarefado, mexendo muito no celular e notebook, e não estava dando atenção às TVs abertas. E a notícia era:
– Mais um homem desaparecido no bairro da Barricada… Em cinco anos, é o oitava homem desaparecido naquele bairro, além de duas mulheres e quatro crianças.

E a notícia continuava falando sobre isso. Mudara há menos de um ano praquele bairro, o Barricada, e não havia me ligado nesses assuntos cotidianos. Peguei uma semana corrida e até esqueci da mulher dos abacates. Na feira, ela me viu e disse, me medindo de cima embaixo:
– O senhor não foi pegar os seus abacates, né?
– Caraca!… Acabei esquecendo! Que horas posso passar por lá? – Argui.
– Pode ser hoje à noite, depois das oito… Vou separar uns “tesudos” pro senhor!

A velha seguiu em suas compras e um garoto me cutucou;
– Deixe eu levar suas compras? Levo de grátis!

Eu, realmente, levo as minhas compras, não são tantas, mas o garoto me cooptou com a frase seguinte:
– Quero falar umas coisas pro senhor sobre essa velha!

E no caminho ele me contou:
– Essa velha não bate bem da bola!… Ela atrai pessoas interessadas em abacate e outras frutas que o quintal dela tem só pro marido dela matar e enterrar no quintal.
– Como assim, gente?
– Pensei em pegar uns abacates, pro meu pai, sabe?… Ele já está meio velho… Igual ao senhor… E entrei lá, igual a alguns amigos meus que sumiram… Fui eu e o Zeco… Subi no pé e ele ficou juntando as que eu jogava. De repente, o Zeco sumiu e ouvi duas vozes dizendo que “esses moleques não param de roubar as minhas frutas”. Moço, eram duas vozes: uma de homem e outra da velha, que conheço bem. Ela tem uma voz de bruxa, esganiçada e apavorante… Principalmente, de noite, no escuro. E as vozes vinham se aproximando… E eu agarrado na árvore, feito um abacate verde. Podia dar o vento que desse e eu não caia daquela porra!… E a vozes vindo dizendo que o outro disse que tinha outro moleque lá.

Filho da puta! Vi o foco de uma lanterna, focando o pé de abacateiro, de longe… E eu me tremendo todinho! Ouvi o grito de uma rasga-mortalha no outro pé de abacate, do lado! A velha gritou:
– Coruja, filha de uma puta!… Vai assombrar outro!

Ela nem imaginava o pavor que a coruja me deu, me avisando da chegada de minha morte. E a velha se aproximou da árvore errada, de onde a coruja voou e verificou tudo com a lanterna… E eu ali… Não cabia uma jaca!… Um detalhe, moço quando ela se aproximou não eram duas pessoas… Era só a velha, vestida com as roupas de homem e fazendo duas vozes!
– O que tu achas, Beto? – Ela falou com a voz de velha.
– Acho que o moleque mentiu! – ela disse com a voz de homem.

Ela foi embora e eu desci e fugi dali, todo “borrado”!
– Moço, não se aproxima dali… Sempre venho pra feira avisar, mas não acreditam em mim…
– E porque você não conta pra ninguém, pra polícia…
– Eu não posso, moço, ela é a minha vó!… Meus pais iam me matar!…
– Qual é o o nome dela?
– O nome dela é Norma!
– Tenho que contar isso pra polícia, garoto!…

Falei, mas quando olhei para o lado o garoto havia sumido!