-Nossa! Essa saia tá curta né, amor?
Naquele instante veio um filme em sua cabeça. O encantamento de uma jovem adolescente pelo principal atleta de basquete da escola. Arthur era o sonho de todas as meninas. No primeiro encontro não deu importância a observação dele. Mas depois, vieram outras. “Você não vai ficar bem com esse batom vermelho”, “Não corte o cabelo, gosto dele assim”, “Você estava onde e com quem?”
Cega de amor, Madeleine foi deixando passar. Afinal, quem tem ciúme, ama. Quando decidiram se casar, sua avó a chamou num canto. Os olhos que sofriam com a catarata podiam enxergar mais longe. Tentou convencer a neta. Ainda era muito nova. Devia estudar e namorar. Os tempos agora eram outros, dizia ela. A neta precisava pensar e escolher com sabedoria. Madeleine escolheu casar-se.
Arthur não realizou o sonho de ser um grande jogador de basquete. Tornou-se empresário, seguindo os caminhos do pai. Madeleine queria fazer Medicina, mas Arthur a desencorajou. Como ser a boa esposa e futura mãe dos seus filhos, se continuasse estudando? Ainda mais Medicina. Sua dedicação ficaria dividida. Madeleine escolheu. E desistiu do sonho.
Quando pensou em trabalhar, foi outro embate. Arthur a questionou: “Você não precisa de nada. Eu posso sustentar a casa sozinho.” “Quem vai cuidar de mim quando eu chegar em casa? Você não precisa disso amor. Eu posso cuidar de você.” E Madeleine escolheu ficar em casa.
Arthur não era mais o homem carinhoso de antes. Descobriu as traições do marido. Com o coração partido, escolheu dar mais uma chance ao casamento. E as chances foram se sucedendo, uma após outra. Para a sociedade, eram a personificação do casal perfeito.
E, então, começaram as agressões.” Sua incompetente, você não presta para nada!”, “Eu gasto muito dinheiro com você!”, Nossa! Precisa emagrecer urgente!”, “Não vou comprar isso, está muito caro!”. Lembrou a primeira bofetada. Ele pediu perdão, disse que nunca mais faria isso. Ela acreditou. Era preciso dar uma chance. Escolheu perdoar. Mas Arthur não cumpriu a palavra e as agressões continuaram. Empurrões, puxões de cabelo, comentários depreciativos. A vó conseguia enxergar a tristeza da neta. Tentou convencê-la a voltar para casa dos pais. Recomeçar. Mas Madeleine escolheu ficar com o marido.
Outro dia, ele havia chegado com uns documentos para ela assinar. Apenas assine – disse. Assinou sem ler. Depois, comprou uma bicicleta e a incentivou a andar de bicicleta. Moravam próximo å praia e faria bem a saúde. Madeleine aceitou.
E então, numa fria tarde de outono, enquanto bebia água na ciclovia, um homem alto, cabelos compridos, com óculos escuros e usando uma jaqueta, aproximou-se. Ela o reconheceu como um dos empregados do marido que estivera em sua casa há muito tempo. Quando ia abrir a boca, ele puxou a sua bolsa e fez um disparo a queima-roupa.
Madeleine caiu enquanto ele fugia em meio a multidão. Por quê? A indagação a atormentava. Numa fração de segundos, alguns trechos do documento praticamente não lido vieram a sua mente. Apólice. Seguro de vida. Já não sabia o que doía mais: o peito ferido ou a alma destroçada. E quando se deu conta, já não podia mais escolher.
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