manhã de outono

Manhã de outono

Em uma manhã de outono, Graça se levanta, toma um banho, escolhe um vestido combinando com a estação. Se veste e, ao sair apressada, esquece as chaves do escritório, só percebendo ao chegar no trabalho. Ao invés de ficar aborrecida, se deixa levar pelo chamado do seu corpo, que pede por momentos de introspecção. Saindo instintivamente do prédio em direção a pracinha repleta de crianças brincando, senta-se em um banco à sombra de um belo ipê amarelo, permanecendo por ali com seus pensamentos até ser surpreendida por um cheiro bom que a transporta imediatamente ao passado, fazendo-a reviver os melhores momentos de sua vida nos braços de seu primeiro amor Yuri, colega do ginásio, no dia da festa de encerramento do ano letivo, na casa de uma das formandas. Graça dançava junto com as amigas, quando chega o jovem vestido ainda com a roupa do treino de futebol, exibindo belas e torneadas pernas para o deleite da adolescente, que não consegue disfarçar a surpresa ao olhar o rapaz que encantado por ter sido finalmente notado. Não perde a oportunidade e pergunta a moça com sorriso maroto: “Gostou?”. Com o rosto enrubescido e desconcertado, Graça responde: “Sim”. Por essa eu realmente não esperava! Ambos eram atletas na escola. Nos dias de ginástica, era comum que o jovem fosse assistir aos treinos e admirar a beleza física da moça. A noite finalmente chegou. Yuri a tira para dançar e a medida que o tempo passa trocam longos beijos, carícias e palavras doces, aproveitando ao máximo cada segundo em que estiveram juntos. 

Na manhã seguinte, a família de Yuri se muda para Minas Gerais. O casal não mais se encontra, embora jamais um tenha esquecido o outro. Na praça, alguém comenta o poema de Cecília Meireles, sobre as estações não serem mais as mesmas, as flores não mais florescerem na primavera. Graça sente o prazer do sol aquecendo a sua pele, contrastando com a brisa fresca, trazendo de volta cheiros e odores a envolvendo por alguns instantes como em um sonho, toda a memória e vivência daquele dia inesquecível, chamando por Yuri! Cadê você? Yuri! Nossa! Tudo parecia tão real que a fez perceber que, com o passar do tempo, ela deixou de sonhar. Transformara-se em uma máquina de trabalho sem prazer. De repente seu olhar se perde em um casal de idosos, felizes nos seus sessenta anos de união, comemorados ali com os netos, bisnetos, filhos, genros, noras e amigos. Um pedaço de bolo chega às suas mãos, gentilmente oferecido por um de seus filhos, que sorrindo, aceita, impregnando suas mãos dando a certeza de a quem pertencer aquele inebriante cheiro bom idêntico a do seu amor guardado há tantos anos. Sem nada dizer, a encantada mulher recebe agradecida com o coração a quase saltar pela boca, observando o belo homem de cabelos grisalhos se afastar sorrindo. A igreja a badalar os sinos anunciando o início da quermesse e os pássaros livres em revoadas chamam a atenção da mulher para o momento presente, fazendo-a refletir profundamente sobre o que fazer por si mesma. Decide procurar pelo cheiro que a fez tão feliz por alguns instantes naquela tarde e aproveitando as mãos impregnadas, visita uma megastore adquirindo finalmente o perfume da sua vida! Na esperança de que os aromas, fragrâncias e notas se busquem e se atraiam tão intensamente, trazendo seu homem de volta para os seus braços na alegria de viver uma verdadeira história de amor!