Arquibalda, feliz da vida, abre a sua janela às 5h no pequeno apertamento da São Luiz com a 25 de Agosto. Dia cinza, com nuvens tristes, o cheiro do peixe putrefato que ali se faz moradia já não incomoda. Lá vem ela cheia de esperança por minutos melhores, com sua rotina pesada para angariar alimentos para levar aos filhos que dormem até às 6h30, porque às 7h terão que estar em sala de aula. Todo esse esforço não a deixa triste, pelo contrário, esbanja simpatia, mas nem sempre é assim. Com a proximidade do aniversário de Jefter as coisas ficam tensas. Arquibalda pretende comprar um bolo e refrigerante, mas como fazer se o bolsa-família mal cobre as despesas fixas?
Sorridente, Arquibalda pensa em algo pra aumentar a renda, mas o tempo é curto. Já está na hora de Jefter e Jéssica irem para a a escola. Para aumentar a intensidade da situação, uma voz fala do quarto:
Jefter – Mãe, cadê meu tênis?
Jéssica, três anos mais velha, já tem quatorze e diz:
– Deixa de ser preguiçoso, vai procurar!
Minutos depois ele acha seu tênis embaixo de um tanque, dentro da comida do cachorro, que o cheirava como se um osso fosse, talvez pela falta de limpeza. Ao saírem para a escola, Arquibalda se sente aliviada, pois teria mais tempo para pensar em uma solução. No ano anterior Jéssica teve seu bolo e a promessa seria que Jefter também teria o seu, mas na ocasião o pai se fazia presente. Os dias foram passando e foi em um reunião escolar que Arquibalda teve uma ideia. Ao ser chamada na secretaria para falar sobre Jefter, a diretora perguntou se estavam passando por alguma necessidade, pois seu filho andava mal cheiroso há algum tempo. Os tênis e as meias principalmente andavam sempre sujos, mas a diretora deixou claro que não era exclusividade de Jefter, mas achou estranho porque Jéssica sempre andou bem asseada. Isso fez com que Arquibalda arranjasse um motivo para não fazer seu aniversário, mas ao mesmo tempo não achava justo. Foi quando sentou com Jefter e passou a real situação, que faria tudo para mudar, e assim foi feito. Em uma manhã de sol, depois de deixar os filhos na escola, Arquibalda percebeu que ao seu lado caminhava uma mulher bonita, cabelos longos, sorriso farto e falando ao celular palavras desconhecidas do seu vocabulário. Arquibalda se manteve ao lado da jovem senhora e não perdeu a oportunidade. Ao desligar o celular, a bela senhora notou a aproximação de Arquibalda.
– Bom dia, senhora.
– Bom dia. Meu nome é Arquibalda.
– Hein?! Como ?
– É Arquibalda?
– Meu Deus, quem fez isso com você? Kkkkk é brincadeira. A senhora me conhece?
– Não não. É que a senhora é tão bonita, falava tão bem ao celular e quando cheguei mais perto senti que é bem cheirosa também. Desculpa a intromissão.
– Sem problemas. É que trabalho com perfume, por isso ando sempre assim.
– Eu posso andar cheirosa assim também?
– Claro que pode, mas tem que saber várias coisas sobre perfumes, histórias, lendas…
– Como assim?
– São várias histórias. Diziam que as moças de Jerusalém botavam perfumes nos sapatos para seduzir os homens apenas com os pés. Tem uma mais interessante: até Cleópatra passava perfumes nos lábios para baixar seus amantes para que eles sempre voltassem. Mas são apenas histórias ou lendas, sei lá….
Arquibalda, estupefata com a bela mulher e com as histórias, saiu dali com uma ideia fixa na cabeça: fazer perfumes. Com a orientação da jovem senhora, Arquibalda não se fez de rogada. No próximo bolsa-família que cair na conta vou investir nas essências com o aval de Jefter e Jéssica. Afinal, estava próximo do aniversário de Jefter e assim foi feito:
600ml de álcool
50ml de essência de AZZARO
100ml de água mineral
Arquibalda comprou 25 frascos de 30ml cada e foram cuidadosamente preenchidos com essência de AZZARO, que foram comercializados na própria escola e na 25 de Agosto com a São Luiz (Lixão de Caxias). Na véspera do aniversário de Jefter, Arquibalda já tinha vendido quinze frascos de perfumes, provavelmente contaminados com o cheiro dos peixes putrefatos que permaneciam ao redor do seu apertamento. Muitos irão dar calotes mas o arrecadado dará para o bolo, o refrigerante e também para comprar um tênis e uma meia nova para Jefter.
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