Aquela casa!… Tenho que me mudar desta casa… Daquela!… Argh! O que estou fazeno ali se estou aqui?… Me perdi em volta de mim mesmo!… Mas, vamos falar da casa… E daquele Buraco… Aquela casa era enorme. Moro sozinho!… Morava, não sei! Agora fiquei com essa dúvida… Será que moro sozinha? Tinha um cara morano comigo! Era uma mulher bonita, lindos cabelos acobreados de azul turquesa, cheia de cachos… Pareceno uma parreira! Lindooo!… Seus olhos, cor de topázio, brilhavam no escuro… Eu a perdi para aquele Buraco… Uma espécie de Buraco nebuloso, cavernal, sepulcral… Ficava, fica, sei lá, bem debaixo da escada em forma de dragão lunar! Um dia, uma noite, talvez, nós jantamos à luz de três velhinhas! Três velhinhas que pagamos para segurar as velas de sete dias, já que não tínhamos castiçais. Uma casa imeeeensa daquelas e nenhum castiçal! Que porra! Nenhum serviçal, também… Mas, esperem!… Lembro que tínhamos um mordomo!… Sim, tínhamos um mordomo, o Alfredo!… Não, esqueçam, o Alfredo é pura imaginação minha… Eu o vi em um comercial de TV… Vendia papel higiênico!
Mas, como eu ia dizeno… O que eu estava a falar, mesmo? Sobre o mordomo, não era? O mordomo sumiu no Buraco! Maldita cratera!… Aquele Buraco falava! Sim, dizia coisas inaudíveis, em um som gutural assombrador… Acho que queria conversar, talvez movido pela carência de décadas, esburacado naquela parede. Como será a gente ser um Buraco?
Compramos aquela casa, eu e meu esposo, havia cinco anos… Eu te juro que não sabia do tal Buraco. Os vendedores, espertos, taparam-no com uma cortina cor de caverna… Adoro cavernas! Sou espeleólogo amador… Sempre que tinha uma brecha no tempo… “brecha”, entenderam? Usei o termo brecha porque tem a ver com caverna… Pois é, sempre que arrumava um tempo, lá ia eu atrás de alguma gruta… Para não perder o tempo que houvera arrumado, ia direto pra Lapa… Lá, a gente consegue achar prostitutas maravilhosas de belos covis. Ou então, partia pra Vila Mimosa, mesmo.
Descobri o Buraco da casa por puro acaso… Meu marido tinha ido à feira e eu estava a limpar o pó dos móveis. Cantarolava uma canção e ouvi alguém fazendo uma espécie de segunda voz. Arrepiei até o topete da perereca. Depois, resolvi descobrir o fundamento daquele susto. Peguei um punhal pra me armar e fui… Cantano e seguino a canção, o som do coral. Finalmente, bati na tal cortina. Puxei de uma vez o véu com desenho de furna e enfiei a faca no Buraco. Ele gritou! Apunhalei-o várias vezes, até que ele falou, à moda dele: Para, para, que está me fazendo cócegas! E aí que fui entender que não eram gritos de ai, ai, ai, mas uma espécie de ha ha ha!
Quando minha mulher chegou da borracharia contei o fato e o apresentei a ela. Vixi! Foi amor à primeira fresta… Ficaram lá, tagarelano por horas. Acho até que não era um Buraco, mas, uma Buraca!
Certa vez, resolvi fazer um cara a cara com o Buraco. Queria ver até onde aquela estória seguia. Comprei um uísque, dos mais caros, coloquei uma mesa e dois copos, próximo do Buraco. Foi uma coisa surreal. E olhem que eu entendo de surrealidade, pois modéstia à parte, sou bem dotado e chamado de Picasso pelos meus amigos. Bom, abri a garrafa de vinho servi nos dois copos… Bebia uma dose e jogava outra Buraco abaixo.
Caras, conversamos por horas! Discorremos sobre Espaço, Massa e Tempo; humilhamos Neruda e comemos Nietzsche com farofa. Passando por Pessoa… Aliás, ensinamos a Pessoa que o espelho não nos representa, pois nos mostra pelo avesso. E rimos muito com Millôr e Sheldon.
Fizemos uma certa amizade, mas que logo se dissolveu quando ele fez desaparecer a Margarida, a melhor amiga do meu esposo. Tentei vender a casa com Buraco e tudo, mas as placas desaparecem. Desconfio dele.
Hoje tomei uma decisão. Quem não pode com o andor, não beija a fita! Vou entrar buraco a dentro. Pronto, entrei! Esperem! Está muito escuro, há um túnel e uma espécie de gosma no chão… Acho que estou na língua. Nossa, que esquisito andar aqui… Vou engatinhar!
Tem claridade ali à frente. Estou chegano. Cheguei! Viva!… Nossa, que lindo é aqui dentro!… É um outro muno. Ops, mundo. Redondo, uma bola, igual ao nosso, mas se vive pelo lado de dentro. Não há céu. Lááááá, bem em cima, do outro lado, dá pra ver os outros países… Dá pra ver o mar e os navios navegando para chegar neles. Os aviões passam não muito distantes… Uns de ponta cabeça, que maneiro!
Caraca! Acho que vou ficar por aqui… Ei! Olhem quem vem vindo ali. JC em pessoa… José Carlos, meu marido… Vem caminhano, de mãos dadas, com sua esposa, a Margarida!… Eba! Aqui se pode andar nu! Olha o Picasso lá!
É, galera, ficarei por aqui! Vou morar no Buraco!
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