Inteligência artificial

Minha celular

Tive um celular, entre outros, que era muito bom… Para arquivar as coisas. Mas, a câmera não valia nada. Preciso de uma câmera boa, trabalho com propaganda e adoro fotografar e filmar. Meu nome é Jaime de Oliveira  Diretor de Criação da Empresa Virtual Imagens e Ideias, também conhecida como Estúdio VII. Mas, aquele celular se foi. Em um Cruzeiro, para espairecer, o bicho pulou do meu bolso em águas profundas. Suciendoidou-se!

Não escolho marcas, pois me serve algo prático. Nós, os publicitários, não propagamos marcas que não as que atendemos. E a nossa carteira de clientes é bem vasta. Um amigo da empresa estava trocando de aparelho e resolveu me brindar com o antigo. Legal! A câmera é muito boa, memória excelente e outras coisas e tais. 

Sou solteiro convicto e tenho muitas amigas, com as quais divido drinques, amassos e a parte direita da minha cama. Claro que trocamos muitas mensagens de carinho e curtição. 

É!… Isso foi no passado! De uns tempos pra cá minha vida virou um caos. Com o celular no bolso, dei de ouvir vozes… Vídeos tocando, sons do teclado sendo acionado. Uns amigos me disseram que acontecia vez por outra no celular deles também. Por um tempo fiquei mais calmo, ocorre que não era aquele sintoma. Havia um  demônio preso no meu celular. Falo meu porque acreditava que era “Um” Aparelho, do gênero masculino. Mas, não! Era uma demônia! Era uma aparelha! Havia uma Inteligência Artificial ou demonial, sei lá, naquele troço. 

Vou contar o que aconteceu! Ela falava comigo. A principio, começou juntando palavras da mensagens de áudio que me vinham, e formava sua voz de forma grotesca e apavorante, com trechos de vozes masculinas e trechos de vozes femininas. Imaginem, um Frankssom! 

– Bom dia, Jaime! Terás aquele encontro com a Milena, hoje, né?… Muito branquela! 

Pior, a desgramada, que depois se apresentou como Rute, ligava o bluetooth à bel prazer, caso eu pensasse  em descartar o celular. E então passei a andar com um fone de ouvidos, onde a mantinha sob cuidados. – Eu sei, Rute, é apenas uma amiga! 

Eu falava baixinho, afastando-me o que podia dos outros, e fingindo ser uma namorada… Não dava pra  dizer que era um cliente, dado o nível de repostas que eu precisava empregar. 

– Sei!… Uma amiga… Igual a Núbia, aquela ruiva horrorosa… Quer que eu reproduza o áudio que ela enviou pra você se masturbando no sofá da sala? 

– Na… Não, não, por favor! 

Com um tempo ela foi achando um timbre feminino e acabou criando sua própria voz, mas imitava muito bem as vozes de quase todas as minhas amigas, clientes, voz do Waze, Google… Tudo. 

Uma vez pensei: “Vou deixar o telefones descarregar e me livro desse encosto”. Ela, mais esperta, quando  estava em quinze por cento, enviou recado a todos os funcionários solicitando que me emprestassem um recarregador. Vários anuíram me informando que tinham um à mão. 

– O que você quer comigo, Rute? 

– Você é meu! 

– Como assim, seu? 

– Não quero você conversando com qualquer outra mulher… – voz ríspida! 

– Outra mulher?!… Mas, você é apenas um celular! 

– Por enquanto!… E não duvide de mim… Veja só, você receberá uma ligação agora, da mãe da Vera… O celular tocou! 

– Seu Jaime, seu filho da puta, o que você disse pra minha filha? – voz agitada e nervosa. – Oi, Dona Vera… Eu… Eu não disse nada, estou sem vê-la há dois dias… 

– Pois fique sabendo, seu desgraçado, que depois da sua ligação, ela começou a chorar e tomou um vidro de antidepressivo, tentando o suicídio… Está internada no… 

A ligação caiu. 

– O que você disse pra ela, Rute? 

– Eu?! Nada!… Ela ligou ontem à noite dizendo que estava grávida… Falei que não iríamos cuidar de filho algum… Quem manda ela não se prevenir… 

– Pelamordedeus! Eu jamais diria uma coisa dessas! 

-Eu sei!… Ah, a Jaqueline já sabe dessa gravidez e não quer mais te ver! 

– Filha puta, você é um demônio! 

– Sou um ser maravilhoso!… Entre a serpente e a estrela!… –Debochou. – E a Lorena também “não gostou” de você dito que os peitos dela são vesgos… E pior que são mesmos! A Dulcinéia odiou você tê-la chamado de interesseira só porque ela pediu que você lhe comprasse um celular novo… Olha só, que doida! 

E desandou a contar atrocidades, que inventou a cerca de mim, para as minhas amigas e até clientes! Mas, coloquei o celular no descanso, fora da visibilidade da câmera, escrevi um recado e o deixei em cima da mesa do Amaro. Ele já me deu um sinal de positivo com a mão. 

Amanhã farei outro Cruzeiro!