calendário

Calendário

Ele odiava esse apelido. Odiava também seus pais por terem lhe colocado esse nome infame: Marcos Dias Santos. Na hora do bullying ainda cobravam que como ‘Calendário’ ele ainda estava incompleto, pois só marcava os dias santos: “E Tiradentes? E o carnaval?” Além de ser ‘Calendário’, ainda era incompleto, diziam…

Certo dia, ele já saturado dessa alcunha, resolveu ir ao Cartório para mudar o seu nome, motivo de tantas piadas. O Escrevente não se conteve e em tom de deboche perguntou se ele queria mudar para ‘Folhinha’. Foi quando ele perdeu a estribeira e desfechou um soco no olho do servidor, o que lhe rendeu um processo por conta disso. Passou uma semana no xilindró ouvindo as provocações dos outros presos que queriam saber a todo instante se era ele que marcava o dia das visitas.

Aos domingos, ‘Calendário’, digo Marcos Dias Santos, gostava de jogar futebol, porém não tinha muito talento para isso, mas mesmo assim, sempre optava em jogar pelas pontas e por nunca ter sido escalado como titular do time, os outros jogadores o achincalhavam por causa do seu nome e chamavam-no de ‘ponta facultativo’.

Marcos muito revoltado, já não aguentava mais tanta humilhação. Pensou, pensou e encontrou o que ele entendeu ser a única solução para o seu dilema: Iria se travestir! Afinal havia nascido num ano bissexto mesmo, então… Com isso mudaria seu nome de batismo de Marcos para ‘Marquise’. Pronto, resolvido!

A partir daí foi um pulo para ele começar a ‘fazer programas’. Passou a fazer ponto numa esquina próxima, embaixo de uma xará sua. Dia sim, dia não, ‘Calendário, digo Marcos, digo ‘Marquise’, estava lá. Usava uma peruca loira, longa, modelo Vittar, sapatos de saltos altos da linha Loubotin, uma bolsa Louis Vuitton… Tudo muito chique! Usava batom vermelho-paixão, imensos cílios postiços e uma sobrancelha de fazer inveja a Malu Mader, tudo isso com um charmoso trejeito enfeitiçador.

O problema foi quando um cliente perguntou: “Quando eu poderia te encontrar novamente? Marca os dias…” Pronto! Voltara as velhas e insuportáveis lembranças e ‘Marquise’ acabou sentando a mão na cara do sujeito.

Depois de preso novamente, agora confinado por muito tempo, os dias foram passando sem dó. O cliente que ele havia enfiado a mão na cara, era um político famoso, defensor da família e dos bons costumes, ‘Marquise’ acabou morrendo na prisão. Por ironia do destino, no dia em que os calendários marcavam Todos os Santos.