Otávio olhou pela “milésima” vez da sacada. Havia chegado de Florianópolis pouco antes do jantar. O voo fora terrível, cansativo, no entanto ele não podia, simplesmente, ir dormir. Ivone lhe dissera que Marcos estava um trapo humano. Que só chegava em casa de madrugada, completamente embriagado e, muitas das vezes, carregado pelos amigos. Pelo visto, aquela seria mais uma dessas madrugadas. Já passava de meia noite, mas Otávio estava decidido a esperar por ele o tempo que se fizesse necessário.
Algumas horas mais tarde, Otávio ouve o barulho do carro de Marcos, corre para a sacada a tempo de vê-lo tropeçando em direção à porta. Otávio abre a porta e fica mortificado, com a imagem deplorável do filho. Marcos o olha com desdém e deboche:
– Olá, doutor Otávio Lourenço! O que faz por aqui? Procurando alguma norinha para “comer”? Marcos cospe palavras mordazes, cheias de ódio.
– Para com isso Marcos! Deixe de ser criança! – grita Otávio. – Eu vim para conversarmos, feito homens, como dois adultos!
– Não grite comigo! – grita, também, Marcos – Não admito mais que você grite comigo! Você não é mais meu pai! Pra mim você é um traidor qualquer! – Marcos estava descontrolado – Vai embora sai da minha frente ou eu…
– Ou você o que, hein, seu moleque? – agora Otávio também estava nervoso.
– Ou eu lhe ensino a respeitar um homem!
E antes que Otávio percebesse, Marcos lhe defere um soco na altura do queixo, depois outro e mais outro. De repente, Otávio o segura pelos ombros e o domina como se fosse uma criança. Sacode-o várias vezes, jogando-o em cima do sofá.
– Acalme-se, Marcos! Não vamos resolver nada assim.
Otávio controla o filho e o leva para o banheiro, enquanto o rapaz se debate extravasando a sua raiva, suas frustrações, ora xingando, ora chorando feito um menino mimado. Otávio o enfia com roupa e tudo embaixo do chuveiro, deixando a água cair fortemente sobre sua cabeça. Entre um acesso de tosse e outro, Marcos bota pra fora parte do que bebeu. Otávio percebe aliviado, que o filho recobrava a lucidez a cada segundo. Tira toda a roupa do rapaz e lhe estende uma toalha. Marcos pede para ficar mais um pouco no chuveiro. Otávio aproveita para ir até a cozinha ligar a cafeteira. Enquanto espera, examina no espelho o maxilar levemente inchado. Quando Otávio volta, encontra o filho já no quarto. Estava vestindo um hobby e olhava pela janela. Parecia bem melhor.
– Tome esse café, vai ajudá-lo! – Ordenou Otávio. – Marcos pega a xícara que o pai oferece, sem olhá-lo e bebendo o primeiro gole perguntou:
– Vai me ajudar em que? Esquecer que você é meu pai?
Otávio percebe o tamanho da amargura do filho, queria confortá-lo, dizer alguma coisa. Queria não ser o causador daquela dor. Pela primeira vez na vida, ele não sabia o que fazer. Bebericou um pouco do próprio café, enquanto caminhava de um lado para outro. Suspira fundo e diz a única coisa que lhe vem à cabeça:
– Eu não sei o que dizer filho!…
– Não sabe, pai? Então diz o que eu mais quero ouvir. Diz o que eu mais preciso ouvir, pai! – À medida que o rapaz falava, se descontrolava ainda mais – Diga que tudo é mentira, invenção, sei lá! Diga que Melissa não viu vocês dois na piscina! Diga, pai! Eu ainda posso acreditar no senhor!
Otávio passa os dedos pelos cabelos, num gesto que demonstra todo o seu desespero. Queria poder negar tudo aquilo. Queria poder dizer que nunca esteve com Helena. Mas como fazer isso? Ainda se lembrava do cheiro, do calor de seu corpo junto ao dele, de seus lábios macios, do seu beijo quente e da paixão que os envolveu à luz da lua. E o pior: Queria aquilo tudo de novo, mais que a própria vida. Ele suspira fundo e diz:
– Sinto muito!
– Sente muito? – Marcos estava indignado – Sente muito por quê? Se fui eu o ridicularizado… Se fui eu o ultrajado, o traído, o “corneado”… Do que você sente papai? Sente por ter sido descoberto? Pela diversão ter chegado ao fim?
– Não é nada disso, Marcos! Ninguém teve a intenção de ridicularizar você. O que aconteceu entre Helena e eu foi algo involuntário e muito mais forte que nós. Eu sinto muito, sim, por toda essa confusão. Sinto por termos nos encontrado tão tarde. Sinto por ela ter assumido esse compromisso sem amor com você e principalmente, sinto muito tê-lo magoado dessa forma. Eu sei que é muito difícil, mas tente entender que quando me apaixonei por Helena eu não sabia quem era ela, não sabia sequer o seu nome e muito menos que ela era sua noiva.
-Tentar entender pai? O senhor tem noção do que está me pedindo? Quer que eu compreenda que na noite em que fico noivo, o meu pai presenteia a minha noiva, com uma noite de amor, na beira da piscina? Devo agradecê-lo também? – Ironizou ele, sarcástico.
– Você está adorando esse papelzinho de vítima, não é Marcos? Eu reconheço que essa situação é por demais constrangedora e só piora quando você frisa “esse pai e filho”. Neste exato momento somos dois homens, adultos suponho, disputando o amor de uma mesma mulher. Otávio respira fundo, tentando se acalmar e fala com a voz mais baixa. – Sou seu pai, sim, e muito me orgulho, Marcos, mas não tente usar isso para minar minha resistência, para me enfraquecer.
– Não tenho intenção nenhuma de enfraquecê-lo, pai! Se é que ainda posso tratá-lo assim, a minha grande mágoa, o marco que ficará deste episódio, foi o meu pai ter traído a minha confiança desta forma. Se algum dia, conseguirmos discutir esse assunto, independente de sermos pai e filho, não existirá problema algum a ser discutido. Friso isso, porque isso é o que mais dói e só quando bebo consigo esquecer.
Otávio suspira aliviado. Saber que não iria precisar disputar o amor de Helena com o próprio filho o tranquilizava e ele não escondeu isto.
-Filho, saber que você não a ama, como eu, já me deixa muito feliz! Agora, quanto a nós, eu não tenho dúvidas, de que vamos resgatar a confiança e, acima de tudo, o carinho e o respeito que sempre tivemos um pelo outro. Seu pai não é nenhum herói, ou santo! Sou só um homem! Um ser humano com necessidade de amar. Portanto, filho, se você não a ama e principalmente se ama seu pai, não me peça para desistir dela. Otávio falava com o coração aberto. – Não me penalize, pense em tudo que lhe disse!
Otávio deixou o filho no quarto e desceu. Marcos que ouvira tudo em silencio, agora meditava sobre o assunto. Afastou-se da janela, foi até a escrivaninha e apanhou um cigarro. Desde o dia que ouviu Melissa contar a Olavo, que viu seu pai e Helena na piscina, Marcos não dormia. Ele não se cansava de tentar adivinhar o porquê de o pai ter feito aquilo. Pelo que conhecia do pai, ele nunca fora mulherengo. Até aquele dia, sempre respeitara todas as suas namoradas e amigas. Tanto que Marcos não deu atenção aos olhares que percebera entre seu pai e Helena. Quanto a ela, não era diferente. Nunca veio a saber de nada que pudesse desabonar sua moral. Foi mesmo muito difícil acreditar que eles haviam se amado, em pleno jardim. “Será que era amor mesmo? E se fosse? O que teria ele com isto?” Com os pensamentos ainda confusos, caminha até o barzinho, no interior de seu quarto, mais desiste do uísque. Bebe um pouco d’água e vai dormir…
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