Já tinham me dito que eu viveria rodeado de pessoas. Que nesse país, a maioria vivia amontoada mesmo… mas não imaginei que isso começaria tão cedo…
Logo que me dei conta que estava renascendo fiquei eufórico! Uma nova oportunidade, uma nova chance… um lugar quentinho só meu pra crescer e nascer forte e robusto! Só que não!! Logo senti que o espaço tava era apertado demais. Olhei pro lado e descobri que tinha uma placenta vizinha a minha! Um absurdo! Eu era gêmeo (e de uma menina)! Ao menos as placentas eram diferentes. Nunca gostei muito de repartir nada e logo o útero da minha mãe!?!?
A vizinha era um porre!! Quando eu queria dormir, dava chutes e cutucões. Quando eu queria me espreguiçar acabava dando de cara com ela. Pra piorar, ela parecia maior do que eu. Tava era ficando gorda! Tirando meus nutrientes. Veja bem: não é que eu não quisesse uma irmãzinha ou um irmãozinho. De repente, uma irmã mais nova pra aprontar comigo e botar a culpa nela até que seria legal. Ou um irmão mais velho pra me ensinar algumas paradas maneiras. Aí sim! Mas uma vizinha dividindo logo cedo as atenções não fazia parte dos meus planos.
O primeiro ultrassom então foi um desastre! A médica logo me achou, ouviu meu coração e disse que estava tudo correndo bem! Ouvi o suspiro da minha mãe e a risada feliz do meu pai. Mas, de repente, a médica disse que estava detectando outra batida de coração e ela começou a buscar com o aparelhinho. A vizinha, se fazendo de envergonhada, estava se escondendo atrás de mim! E cutuca dali, cutuca daqui até que ela deu o ar da graça. Minha mãe parecia não acreditar. Meu pai emudeceu (deve ter levado um choque danado, coitado!) Só que, do nada, ele falou: “Um príncipe e uma princesinha. Nada mal! Mandei bem!” Mandou mal sim!! Era pra eu ser o primogênito, sozinho! Não me lembro de ter concordado com reencarnação em dose dupla!! Dividir logo cedo o que era meu: mãe, pai, paparico dos avós, chorinho na madrugada…
Os meses se passavam e a vizinha tomava cada vez mais espaço. De envergonhada, passou a ser exibida. Aparecia primeiro no ultrassom, ganhava mais peso e pra piorar, na tal ultra 3D, papai falou que ela era a cara dele!!! Derrota!
A vizinha queria puxar papo, mexia a boca e tentava chamar minha atenção. Nem vem! Ao menos a placenta formava uma boa barreira. Quem disse que eu queria fazer amizade?
O médico marcou o dia da cesárea. Ele achava que parto normal não iria rolar. Tudo por causa da gorducha! Achei que meu nascimento seria um evento tipo parto normal na água, parto humanizado… mas vai ser no bisturi mesmo.
Papai nervoso, mamãe queria logo ver as nossas carinhas…. Acho que tá começando…vou sair logo e dar meu choro de chegada triunfal… não! Peraííí!! Quem disse que tinha que tirar ela primeiro??? Quando eu saí, ela já berrava a plenos pulmões e abafou o meu chorinho amedrontado.
Fomos colocados um ao lado do outro e, do nada, ela encontrou e segurou a minha mão… foi uma sensação tão boa, tão diferente, como se eu não precisasse nunca me preocupar com nada, por que ela estaria ao meu lado pra sempre!… nunca tinha me sentido assim… nem na vida anterior, eu acho. Me deu uma confiança de que tudo iria dar certo, que tudo que viveríamos, coisas boas ou ruins, passaríamos juntos, desde que sempre fôssemos vizinhos um do outro…
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