Não é fácil ser um gato. É uma vida muito ingrata, de pouco luxo. Sempre menos do que a gente merece. Vivia numa casa antiga, grande, com piso de madeira e varanda de fora a fora. Morava com muitas pessoas. Pessoas até demais. Havia um casal de idosos e seus filhos, que foram casando e um a um iam deixando a casa.
Idosos gostam de uma praga chamada cadeira de balanço. Que ódio que eu tenho. Um nome tão brega quanto a função da cadeira: balançar. Me chamavam de Léo. Vejam só, eu, um Silver Maine Coon de longa e volumosa cauda, sendo chamado por um nome chinfrim como Léo. Era bom ver a casa ir esvaziando, pois, a comida ainda era a mesma e a quantidade de pessoas me agarrando era menor. Que sonho ter a casa enfim só pra mim! O ponto alto foi quando o marido do casal de idosos morreu. Já foi tarde! Nunca me deu bola mesmo. Certa vez parecia que ia me fazer carinho, mas quando rocei na sua perna ele me jogou tão longe que eu atravessei a porta e a varanda voando. Tenho ranço de velho por isso.
A casa ficou tão vazia que comecei a desconfiar. Logo um caminhão de entregas deixou várias caixas lá fora. À medida que foram sendo abertas, não paravam de sair mais e mais cadeiras de balanço. Que horror, meu Deus! Redondas, quadradas, de madeira escura, cada uma mais feia e barulhenta que a outra. Que pesadelo! Que ataque de mau gosto. Se não bastasse as novas cadeiras, começaram a chegar um monte de velhos. Eram velhos muito velhos, de todos os tipos também. Velho de andador, velho que não fala, velha faladeira. Estouraram um cano de velho na rua e vieram todos parar aqui. Como a tragédia do gato vem sempre acompanhada, os velhos todos ficavam o dia todo nas cadeiras de balanço: roinc roinc, roinc roinc! Todos os dias estava eu com minha linda e longa cauda em risco no meio de tanta cadeira balançando.
Mas, como já disse, não é fácil ser um gato. Um belo dia, um velho daquele passa mal e, na correria, sobra pra ponta do meu rabo. Uma cadeira de balanço belisca e pra sempre fiquei com a ponta da minha linda cauda torta. Que ódio, meu Deus! Ninguém vê que eu tô passando? Como castigo de gato nunca é pouco, um dia duas velhas brigaram. Voava bengala pra todo lado, pedaço de dentadura e aquele cheiro de Leite de Rosas no ar. Enquanto fugia de um velho caindo, meu rabo ficou debaixo de uma daquelas cadeiras de balanço malditas. Não pensei duas vezes e meti a unhada no velho. Foi sangue pra todo lado, tanto meu quanto do velho. Fui levado pro veterinário e de lá pra um lar de adoção de animais. Afio minhas unhas todos os dias. Sonho com o dia em que vou sair daqui e me vingar de todos os velhos. Odeio velhos!
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