A casa estava sombria. Há muito era triste… Parecia um mausoléu. Todos os quartos, do andar superior, fechados. Já, embaixo, o escritório, a sala de estar… Estavam abertos. A cozinha também estava funcionando. Arlindo acabara de preparar um café para a família de seu finado patrão, que ansiosos aguardavam o doutor Elizeu, advogado, que, finalmente, leria o testamento deixado por Ramiro Novais. Um colecionador de raridades, joias antigas e obras de artes. Algumas peças estavam expostas ali mesmo nas paredes nebulosas, nos corredores obscuros, da velha casa da colina. Arlindo serve o café e se recolhe a uma cadeira ao canto da sala, De lá, fica espiando os abutres se acotovelarem. Marivaldo, o filho mais velho, acha que deveriam ignorar o tal testamento e repartir toda fortuna em partes iguais; Já Leônidas, o do meio, acha que deveriam respeitar o desejo do pai. Leonor achava que por ser a única filha, por ser a caçula, e por ter permanecido mais tempo ao lado do pai, do que os demais; merecia uma parte maior. E o inferno ainda não estava pleno, faltava Isaura, a esposa de Marivaldo e seus dois filhos; e Lurdes, a última ex-mulher de Ramiro, mãe de Leonor sua filha mais nova. Quando o advogado chegou alguns minutos mais tarde a imagem era do caos. Em meios a gritos e palavras ríspidas, os irmãos se insultavam mutuamente… E ainda, fazendo coro, havia as vozes da nora, netos e da propensa viúva. Doutor Elizeu Precisou gritar para ser ouvido. Mais que isso, ameaçou os herdeiros de seu finado cliente, começando ler o documento pela última cláusula a que dizia: “Caso haja desavença, discordância entre os meus beneficiados, revogo todas as cláusulas acima, passando valer um único parágrafo, onde eu deixo tudo que me cabe, tudo que construí na minha vida inteira ao meu cuidador o enfermeiro Arlindo Cunha, que cuidou de mim com profissionalismo e respeito pelos últimos cinco anos”. Todos os olhares voltaram como flechas para o canto da sala onde se encontrava Arlindo que de tão encolhido parecia ter diminuído de tamanho. Imediatamente todos se sentaram e como se fossem mudos ouviram atentamente o advogado fazer a tal leitura.
No final, o mais contrariado era Marivaldo que herdara apenas a velha casa da colina e algumas mobílias, sem grandes valores de mercado. Grande parte dos quadros e peças de artes, o colecionador já havia doado em segredos para museus e galerias. Mas ainda sim deixou os familiares contentes com que herdaram. Com exceção do filho mais velho que na mesma hora ligou para uma imobiliária colocando tudo à venda, inclusive as mobílias. Foi neste momento que Arlindo se levantou, munido de uma coragem advinda da estima e carinho que sempre nutrira pelo respeitoso patrão, e pediu a Marivaldo com a voz quase sumindo, gaguejando, constrangido, nervoso, se ele lhe permitia levar para si, a cadeira de balanço que ficava em um jardim na lateral da casa. Onde ele e seu patrão passavam as longas horas das tardes tomando chá e ouvindo os cantos dos pássaros. Marivaldo olhou o homem a sua frente com desdém, deu de ombro e saiu consentindo o pedido, apenas com um abano de mão.
Já em casa, Arlindo coloca a relíquia no quarto ao lado da janela, em seguida mostra ao seu netinho Léo de cinco anos, o seu lindo presente. A acolchoada cadeira de balanço! O menino se encanta com a cadeira do avô… Queria levá-la para casa… E se aproveitando da distração de todos arrasta a mesma até o topo da escada… Grande e pesada, o garoto se cansa e ela despenca 20 degraus a baixo. O barulho trouxe todos correndo até à sala! E lá, o espanto maior!… Espalhado entre os destroço da cadeira havia um tesouro. Anéis e colares, tudo em esmeralda, rubi, safira, perolas e até mesmo brilhantes. Neste momento Arlindo lembrou de uma pergunta que seu patrão lhe fizera em umas de suas conversas corriqueiras de fim de tarde:
– O que desta casa você gostaria de guardar contigo meu nobre amigo! Para lembrar de nossas conversas, de nossos chás da tarde, quando eu já não tiver mais por aqui?
Arlindo lembra agora com os olhos rasos d’água que respondera:
– Essa cadeira, que por tantas tardes embalou nossas conversas, bate papos tão agradáveis – O outro ainda insistira:
– Não deseja um quadro? Uma obra de arte, destas que vale como uma aposentadoria? – Ele sorri, lembra que respondera que era muito jovem para pensar em aposentadoria.
Arlindo reuniu a sua pequena fortuna em um cofre bancário da cidade e em seguida foi a marcenaria reformar a sua mais preciosa herança! A cadeira de balanço!
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