O céu estava azul quando despontou no horizonte o avião da TAP Air Portugal. A cerimonia estava pronta: militares à postos e vestidos impecavelmente; autoridades ávidas por holofotes, pois estávamos na data do bicentenário da independência e PINDORAMA aguardava
ansiosa o grande símbolo de nossa independência: o coração do rei português que havia nos dado nossa independência, preservado e mergulhado num formol há duzentos anos. A escada do avião baixou e o presidente português desceu trazendo em suas mãos um pequeno vaso semitransparente onde flutuava o órgão “sagrado” Talvez repousasse ali, a “alma” bondosa que nos ofereceu a liberdade. A cerimonia seguiu o roteiro planejado, até que o vaso foi passado para o presidente de nossa nação. Foi observado um certo tremor de nosso presidente, que como se sentisse as mãos fervendo pela responsabilidade, passou o vaso para um coronel, e esse repetiu o gesto passando para o major, depois para o sargento, esse para o cabo e, por fim, o vaso com a cereja do bolo ficou com um mero soldado, que não sabia de fato o que faria com aquele “presente de grego”. Bateram continência e foram para o local onde ficaria sob um guarda absoluta o órgão sacro.
A sala isolada dentro de um quartel estava sob a vigia do tal soldado, que a colocou sobre um pedestal iluminado com uma luz e sentou-se numa poltrona ao lado mantendo prontidão. Já na penumbra da noite, surgiu o servente, que estava fazendo seu trabalho de limpeza e que levava à tiracolo algumas bananas. Raspava com sofreguidão a vassoura quando observou o vaso, e seu conteúdo, e sua face se iluminou:
era um coração. Com simpatia, se aproximou do soldado e começaram a trocar amenidades, até que o servente contou ao soldado o drama de seu irmão que estava internado nas últimas num hospital, aguardando um transplante cardíaco. De início, o soldado achou estranho toda aquela história mas, percebendo a sinceridade do servente, escutou a história e se compadeceu com o companheiro de infortúnio. Explicou ao servente que aquele coração era muito antigo e que possivelmente não iria “servir”. Mas o servente acreditava em milagres e então bolaram um plano. Disse ao soldado que ele era um exímio escultor de bananas, e mostrou em seu celular algumas fotos de suas “esculturas”, o que convenceu o bravo soldado, que concordou em ser solidário com o drama do servente. Lógico que rolou uma propina de “cinquentinha”.
Esse imediatamente moldou um coração feito de banana e o posicionou no vaso, no lugar do coração real. A imagem, de fato, parecia imitar aquele coração de verdade. O servente colocou o coração num saco plástico e zarpou para o hospital. Chegou rápido ao hospital e mostrou então o coração ao cirurgião, que diante do valor que o plano de saúde iria lhe pagar, não pensou duas vezes: foi direto para o centro cirúrgico e, por incrível que pareça, a cirurgia teve êxito. O paciente irmão do servente sobreviveu e, logo na recuperação pós-operatória e anestésico, ao retomar a lucidez, levantou o braço e gritou “independência ou morte”, mas com um sotaque português! A cena chocou toda a equipe cirúrgica, mas também os encantou pelo imenso patriotismo do paciente, sendo seguido de uma salva de palmas.
Entrementes, na solenidade cívico-militar, todos envolvidos num sentimento nacional, fizeram filas, aplausos, continências, agradecimentos mútuos e coletivos diante do simbólico “coração” de banana, imerso em seu formol infinito. O soldado observou tudo aquilo silencioso, de maneira cinicamente respeitosa, com certo medo de ser descoberto, mas depois que descobriu que ninguém havia descoberto seu golpe, desancou num riso convulso, sendo logo identificado como um louco esquerdista que faltou com o devido respeito ao símbolo pátrio, sendo trancafiado por alguns dias. No dia seguinte, o “coração de banana” retornou à Portugal, onde descansou calmamente pelos próximos duzentos anos.
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