Banana! Cláudio, até agora, não acreditava que havia sido chamado de banana. Já eram duas horas da manhã. Estava sentado na cadeira giratória do escritório. O antigo lustre balançava suavemente, como quem dançasse uma música lenta com o vento. O tom amarelado da parede, outrora branca, há anos não sabia o que era uma pintura. As fotos dos roqueiros de sua juventude, retratos de uma era de emoções e adrenalina. Todo esse cenário melancólico estava em frente a seus olhos: era visto, mas não era notado.
Enquanto seu olhar fixo mirava, sem atenção, a decadente decoração a sua volta, a única imagem que merecia destaque era a que se formava repetidamente em sua mente. A chegada ao escritório; a ansiedade por saber quem ocuparia a vaga de supervisor do Tavares, que se aposentara; a reunião presidida por Murilo, seu gerente; sua postura confiante, apressando-se em se sentar à direita do chefe; o sorriso enjoativo de Mirela, sentada bem à sua frente.
Seria tudo muito natural. Era o mais antigo do setor. Conhecia o serviço como ninguém. Até mesmo já havia substituído interinamente Tavares, no período em que esteve afastado por covid. Tinha o respeito dos colegas e a confiança dos chefes. Nesses anos todos nunca havia perdido a cabeça, jamais discutira com qualquer pessoa. Sempre soube resolver os problemas com urbanidade e discrição. Engolira alguns sapos? Vários… Afinal de contas, eram os ossos do ofício.
Mirela chegara à empresa quase uma década depois. Dizia-se uma mulher de atitude, mas, na verdade, era só uma esquentadinha, sem modos. Às vezes, até trabalhava bem, mas não preenchia os requisitos de uma posição na qual era imprescindível saber lidar com os outros. A escolha era óbvia, bastava esperar o anúncio oficial.
Porém, aquele não era o óbvio para Murilo. Sempre bastante objetivo, o gerente logo comunicou a escolha de Mirela. Cláudio ficou tonto, sem cor. Achou mesmo que o teto estava girando, sua cabeça com certeza estava. Não queria causar constrangimentos, nunca foi disso, mas do meio de sua face – o rosto da decepção – sua boca trêmula, por vontade própria, dissociada da razão, ousou proferir um “por que não eu?”
A resposta foi horrível. Pior que horrível, pois seguida de uma sonora gargalhada. A cena se repetia sem parar. A frase “porque você é um banana” ecoava sem dar tréguas. Nunca havia sido tão humilhado em toda a sua vida. E olha que colecionava algumas humilhações e o rol era um tanto longo. Com certeza, nada que se comparasse a isso.
Mas Cláudio iria mostrar quem era de verdade, que era um homem de bem, de princípios e de brio. Um homem sóbrio, não uma mulher qualquer que se deixava dominar por hormônios, pelo menos uma vez a cada mês. Aliás, mulheres nem deveriam ocupar cargos de chefia, porque engravidam. E se Murilo não percebesse isso, iria deixar o emprego, começaria de novo, em algum lugar iriam perceber seu valor.
Com o espírito resoluto, Cláudio enfim adormeceu, para umas poucas horas de sono que lhe restavam, antes do chamado do despertador. Aliás, seu rádio relógio funcionava muito bem até hoje, não importavam os tantos anos de uso, era quase uma metáfora de si próprio.
Seis horas da manhã estava de pé. Às oito, como de costume, já estava no serviço. Esperou seu gerente chegar. A sua postura iria fazê-lo mudar de ideia. Mas quando Murilo chegou, deu um cordial bom dia e chamou logo Cláudio a sua sala.
Sem que o interlocutor pudesse dizer qualquer palavra, seu gerente explicou que eram novos tempos. Que há muito não cabia naquela empresa alguém que fosse submisso e bajulador com os homens e arrogante e preconceituoso com mulheres. Falou que Mirela tinha um brilho próprio, estava sendo preparada para, em breve, assumir aquela gerência. A supervisão era apenas mais um degrau. Quanto a Cláudio, Murilo admitiu que só o tolerava a pedido de Tavares. Agora, que o motivo havia ido embora, o funcionário indesejado deveria ir também. Não havia ali mais lugar para ele.
Cabisbaixo, mudo entrou, mudo saiu. Sequer conseguira olhar nos olhos do seu gerente; aliás. Ex-gerente. Cláudio se dirigiu então ao RH, acertou suas contas, arrumou suas coisas. Outro dia pediria a alguém para buscar, pois, como de costume, estava de moto. Enquanto colocava o capacete amarelo, sentiu vontade de arremessá-lo longe, pois a cor agora remetia à ofensa. No entanto, optou por não fazer nada. Apenas foi embora, expulso do lugar em que passara os últimos anos de sua vida. Afinal de contas, podia saber posar de bravo, mas, na realidade, era apenas um banana.
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